São Paulo, sábado, 10 de setembro de 2005

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LIVROS

LÓGICA/ "PENSAMENTO CRÍTICO E ARGUMENTAÇÃO SÓLIDA"

Autor desafia auto-ajuda com lógica

HÉLIO SCHWARTSMAN
DA EQUIPE DE EDITORIALISTAS

Num momento em que a irracionalidade corre à solta, em que astrólogos tomam de assalto a universidade, em que a homeopatia se proclama ciência ao mesmo tempo em que se recusa a ser avaliada por critérios científicos e em que a escola pública está dando aulas de religião à garotada, a publicação de "Pensamento Crítico e Argumentação Sólida", do físico Sergio Navega, desponta como um pequeno e simbólico gesto de resistência da razão.
O livro, em estranho formato de um manual de auto-ajuda (o subtítulo é "Vença Suas Batalhas pela Força das Palavras"), pode ser descrito como um breve manual de lógica e filosofia da ciência. O autor procura mostrar o que são argumentos e traça a distinção entre verdade e validade. Explica, ainda que de modo sucinto, como se dá o método científico. O propósito é deixar claro que a razão tem um modo de proceder que pode produzir raciocínios certeiros, prováveis, possíveis e falsos. A meta última é ajudar o leitor a desenvolver o senso crítico, para não ser vítima de sofistas.
Entre os pontos altos da obra há uma espécie de guia geral das falácias na qual Navega apresenta por seus diversos nomes os raciocínios enganosos mais freqüentemente utilizados. Também gostei das notas de rodapé inseridas como boxes no corpo do texto. Nelas, o autor sempre traz aberturas para temas conexos, apresentando referências úteis.
É claro que o livro também apresenta problemas. O maior deles me parece ser a forma às vezes ligeira com que questões complicadíssimas que tiveram notáveis repercussões na história da filosofia são tratadas.
Cito, como exemplo, a polêmica em torno de como se dão revoluções científicas. É claro que tanto Karl Popper como Thomas Kuhn, filósofos que nos legaram abordagens conflitantes do problema, estão citados. Mas Navega dedica muito pouco espaço à visão de Kuhn e valoriza mais a de Popper, que, como ele, privilegia a lógica. Um dos pontos de Kuhn, porém, é que cientistas, que são antes seres humanos, nem sempre agem da forma lógica e franca que o sistema popperiano pressupõe.
Também não gostei das palavras que Navega reserva à literatura. Até se compreende que, em seu projeto, a ciência seja colocada acima de outras matérias. Mas, daí a afirmar que romances fictícios são como beber "suco de laranja natural" -"experiência deliciosa que se reduz ao momento"-, me parece um pouco injusto. É possível aprender mais sobre a natureza humana numa obra de Dostoiévski do que em muitos manuais de psicologia.
Esses, porém, são detalhes que de modo algum apagam o mérito do trabalho de Navega, que é o de tentar mostrar de maneira didática para leigos que o discurso científico tem uma especificidade lógica e metodológica que não permite confundi-lo com a retórica vazia dos livros de auto-ajuda nem com as tolices proferidas pela astrologia, numerologia, grafologia, tarô, feng shui e outras manifestações do pensamento irracional que assolam nosso tempo.


Pensamento Crítico e Argumentação Sólida
   
Autor:
Sergio Navega
Editora: Intelliwise
Quanto: R$ 42 (312 págs.)


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