São Paulo, sábado, 10 de setembro de 2005

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BEST-SELLER NA MIRA

Coetzee e o segredo da sobrevivência

D.J. TAYLOR
DO "INDEPENDENT"

Os romances de J.M. Coetzee -que nunca revelaram suas intenções facilmente- tornaram-se terrivelmente dissimulados nos últimos tempos. Momentos da carreira de uma romancista irritante australiana reunidos em "Elizabeth Costello" [Companhia das Letras, 2004] deram margem a várias interpretações. O livro poderia abordar a investigação de várias crenças, a defesa apaixonada dos "direitos dos animais", ou, ainda, apenas representar momentos da carreira de uma romancista irritante australiana que se chama Elizabeth Costello. Se algo fica claro na leitura do romance, é a insistência de Coetzee em deixar para o leitor a maior parte do trabalho de compreensão.
As páginas de "Slow Man" (homem lento), seu novo livro, mostram Coetzee mergulhado mais ainda em seu mundo particular. Como seria de se esperar em um escritor tão célebre e premiado quanto ele -um Prêmio Nobel em 2003 e dois Booker Prize-, o livro se parece ainda mais com suas obras anteriores. Aumentam os tiques freqüentes e as preocupações, dominados por seu senso de interioridade.
O livro é ambientado nos subúrbios de Adelaide [Austrália], mas poderia ser ambientado em Copenhague, a julgar pelo cuidado dispensado ao cenário. As personagens de Coetzee são igualmente desprendidas, sem raízes, beirando a vadiagem. Os dilemas -apesar de reais- se encontram tão isolados de qualquer sinal de mundo que o resultado é curiosamente abstrato, como se o real interesse do autor estivesse menos nas pessoas e mais na criação de parábolas sofisticadas da condição humana.
Sob qualquer ponto de vista, o que se segue vira alegoria. Paul Rayment é um robusto divorciado de 60 anos, confrontado com seus próprios recursos depois de ser atropelado por uma bicicleta conduzida por um adolescente negligente. Quando volta para casa, com uma perna amputada acima do joelho, resta pouca coisa para Paul. Mas ele se realiza com uma assistente croata designada pelo serviço social para assisti-lo.
A princípio sem atrativos, Marijana Jokic e sua família levam-no a um gesto heróico e inútil. Ele quer protegê-los e salvá-los e, para isso, decide pagar ao filho dela de 16 anos um internato caro. Suborna para livrar a irmã do rapaz, acusada de roubar uma loja. Tudo isso, apesar das preocupações e silêncios do autor, é mais ou menos plausível.
Deixa de ser assim, porém, quando a campainha anuncia a chegada de Elizabeth Costello. A intrusa, que deve ser considerada agora menos importante para os leitores habituais de Coetzee, começa a interferir na sua vida. A aliança Rayment/Jokic é abalada e depois se acomoda.
Pleno de toques psicológicos habilidosos e algumas reflexões realizadas com profundidade, envolvendo memória e desejo, o segredo de "Slow Man" -se é que há um segredo- permanece resolutamente e sedutoramente intangível.


Slow Man
Autor:
J.M. Coetzee
Editora: Secker & Warburg
Quanto: 16,99 libras (R$ 73); 272 págs.
Onde comprar: www.amazon.co.uk


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