|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
BEST-SELLER NA MIRA
Coetzee e o segredo da sobrevivência
D.J. TAYLOR
DO "INDEPENDENT"
Os romances de J.M. Coetzee -que nunca revelaram suas intenções facilmente- tornaram-se terrivelmente
dissimulados nos últimos tempos. Momentos da carreira de
uma romancista irritante australiana reunidos em "Elizabeth
Costello" [Companhia das Letras, 2004] deram margem a várias interpretações. O livro poderia abordar a investigação de
várias crenças, a defesa apaixonada dos "direitos dos animais",
ou, ainda, apenas representar
momentos da carreira de uma
romancista irritante australiana
que se chama Elizabeth Costello.
Se algo fica claro na leitura do
romance, é a insistência de
Coetzee em deixar para o leitor a
maior parte do trabalho de compreensão.
As páginas de "Slow Man"
(homem lento), seu novo livro,
mostram Coetzee mergulhado
mais ainda em seu mundo particular. Como seria de se esperar
em um escritor tão célebre e premiado quanto ele -um Prêmio
Nobel em 2003 e dois Booker
Prize-, o livro se parece ainda
mais com suas obras anteriores.
Aumentam os tiques freqüentes
e as preocupações, dominados
por seu senso de interioridade.
O livro é ambientado nos subúrbios de Adelaide [Austrália],
mas poderia ser ambientado em
Copenhague, a julgar pelo cuidado dispensado ao cenário. As
personagens de Coetzee são
igualmente desprendidas, sem
raízes, beirando a vadiagem. Os
dilemas -apesar de reais- se
encontram tão isolados de qualquer sinal de mundo que o resultado é curiosamente abstrato,
como se o real interesse do autor
estivesse menos nas pessoas e
mais na criação de parábolas sofisticadas da condição humana.
Sob qualquer ponto de vista, o
que se segue vira alegoria. Paul
Rayment é um robusto divorciado de 60 anos, confrontado
com seus próprios recursos depois de ser atropelado por uma
bicicleta conduzida por um adolescente negligente. Quando
volta para casa, com uma perna
amputada acima do joelho, resta
pouca coisa para Paul. Mas ele se
realiza com uma assistente croata designada pelo serviço social
para assisti-lo.
A princípio sem atrativos, Marijana Jokic e sua família levam-no a um gesto heróico e inútil.
Ele quer protegê-los e salvá-los
e, para isso, decide pagar ao filho
dela de 16 anos um internato caro. Suborna para livrar a irmã do
rapaz, acusada de roubar uma
loja. Tudo isso, apesar das preocupações e silêncios do autor, é
mais ou menos plausível.
Deixa de ser assim, porém,
quando a campainha anuncia a
chegada de Elizabeth Costello. A
intrusa, que deve ser considerada agora menos importante para os leitores habituais de Coetzee, começa a interferir na sua
vida. A aliança Rayment/Jokic é
abalada e depois se acomoda.
Pleno de toques psicológicos
habilidosos e algumas reflexões
realizadas com profundidade,
envolvendo memória e desejo, o
segredo de "Slow Man" -se é
que há um segredo- permanece resolutamente e sedutoramente intangível.
Slow Man
Autor: J.M. Coetzee
Editora: Secker & Warburg
Quanto: 16,99 libras (R$ 73); 272 págs.
Onde comprar: www.amazon.co.uk
Texto Anterior: Livros - Lógica/ "Pensamento crítico e argumentação sólida": Autor desafia auto-ajuda com lógica Próximo Texto: Vitrine brasileira - Não-ficção Índice
|