São Paulo, domingo, 10 de outubro de 2004

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CRÍTICA

Programa destoa e olha certo para a cultura

BIA ABRAMO
COLUNISTA DA FOLHA

De repente, você está ali, zapeando, e pára na TV Cultura. E lembra como o "Metrópolis" destoa de tudo o que tem na TV e, de certa forma, também do jornalismo cultural em outros veículos. E que isso, destoar, é o seu principal mérito.
Destoar da TV comercial, na verdade, constitui uma obrigação da TV pública. É preciso contrapor-se com convicção ao ruído, ao tudo-por-audiência, à irrelevância, ao sensacionalismo mais abjeto. É preciso persistir em programas que contemplem outros públicos, que mostrem outros rostos e que usem outros padrões de tempo. Nem tudo atualmente na TV Cultura é assim, mas o "Metrópolis" é.
De certa maneira, o programa não tem lá muitos mistérios. Baseado na agenda cultural de São Paulo, produz reportagens na área de cinema, artes plásticas, teatro, música, design, livros. São 30 minutos de segunda a sexta, desde 1988. Apesar de se aproximar bastante daquilo que está nos cadernos culturais dos principais jornais, o tratamento jornalístico do "Metrópolis" a esse universo cultural torna os assuntos, ao mesmo tempo, mais próximos e mais leves.
Na TV, talvez por questões da linguagem, tudo soa mais descritivo do que prescritivo. Embora esse efeito seja uma ilusão, seu uso, ao que parece bastante consciente, no programa tem resultados interessantes e simpáticos. Quer dizer, uma coisa é ler uma reportagem cujo título é "Humor é uma forma de liquefação, diz Baravelli"; outra é ver o artista plástico Luiz Paulo em seu ateliê, fazendo uma peça de gesso e falando essa frase no meio de outras, quase que por acaso. É tudo mais ligeiro, o que nem sempre é exatamente um problema.
Numa dada quarta-feira, enquanto a Globo exibia o futebol de sempre, glosado pela Record, Silvio Santos barganhava deseducação por dinheiro no "Sete e Meio", do SBT, e Luciana Gimenez entrevistava a viúva de Ox Bismarchi (quem? Pois é) no "Superpop" da Rede TV!, o "Metrópolis" parecia estar em outro mundo, que também deveria caber na TV, por que não?
Não é, ao contrário do que se imagina, um mundo despovoado. Restrito, talvez, por todas as razões que não são o caso de arrolar aqui, mas não deserto. Há gente circulando, produzindo, assistindo, o que constitui um outro elemento de diferenciação do "Metrópolis" em relação ao jornalismo cultural impresso. O público e suas reações aparecem em algumas reportagens e nas entradas ao vivo em peças e shows, hoje mais escassas.
Há que se livrar de alguns cacoetes, como um certo ar anos 80 na pauta, e superar deficiências de produção -nessa mesma quarta-feira, a muito anunciada matéria sobre o show do David Byrne consistia em um texto lido pelo apresentador Cunha Jr. e a exibição de trechos de um clipe velho, velho. Mas, apesar disso, o olhar informativo, desassombrado e persistente sobre o mundo cultural do "Metrópolis" ainda tem o que ensinar para a TV.


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