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ARTES PLÁSTICAS
Sob curadoria de Emanoel Araújo, instituição será inaugurada no dia 23 e ocupará pavilhão no Ibirapuera
Museu conta o Brasil sob a ótica do negro
FABIO CYPRIANO
DA REPORTAGEM LOCAL
Além do pavilhão da Bienal, da
Oca e do Museu de Arte Moderna,
o parque Ibirapuera acolhe um
novo espaço expositivo que será
inaugurado em duas semanas sob
a responsabilidade de Emanoel
Araújo, 63.
Responsável pelo "boom" das
visitas aos museus paulista, que
levou 120 mil pessoas à Pinacoteca, em 1995, número modesto
perto das cifras das últimas mostras na cidade, como Picasso na
Oca, que recebeu 830 mil visitantes, o curador e diretor, que terá
pela primeira vez uma instituição
inaugurada sob a sua completa
orientação, espera criar novos paradigmas para o circuito nacional
com o Museu Afro-Brasil de São
Paulo.
"Vamos inaugurar um museu
em processo. Modernamente,
não se pensa mais em museu como obra acabada. Teremos dez
meses para organizar as exposições temporárias e para conceituar os conteúdos do museu, a
partir do trabalho de um grupo de
sociólogos, educadores, antropólogos e historiadores. O que se terá aqui não é apenas um espaço
passivo mas um instrumento de
uso, da valorização da auto-estima e, mais importante, que terá a
história do Brasil contada a partir
da ótica do negro", diz Araújo, em
meio aos 9.000 m2 do pavilhão
Manoel da Nóbrega, hoje praticamente vazios, o que ecoa ainda
mais as reformas em curso.
Criado por iniciativa da Prefeitura de São Paulo, o Museu Afro-Brasil será aberto com uma exposição de caráter permanente, a
partir do acervo pessoal de Araújo, com cerca de 1.100 peças, cedido em comodato à Secretaria Municipal da Cultura por cinco anos.
Desde o início da década de 80, o
curador reúne documentos, fotos
e objetos de arte sobre a história
do negro no Brasil, para exposições por ele organizadas.
"Não é uma coleção de arte material extraordinária, é uma arqueologia do que foi possível nos
últimos 20 anos, iniciada a partir
da exposição "A Mão Afro-Brasileira", no MAM. Em cada mostra
que eu organizava, sempre amealhava uma coisinha ou outra", diz
o curador, com um sorriso no
canto da boca.
O financiamento para a criação
do museu vem da esfera federal
de governo, da Petrobras, que desembolsou R$ 1,5 milhão para a
reforma do prédio e outros R$ 4,5
milhões para o funcionamento
dos primeiros dez meses, quando
será realizado o plano de gestão
do local. As obras correm em ritmo acelerado, com a abertura
prevista no dia 23, uma semana
antes do segundo turno das eleições, provavelmente a última
inauguração importante do atual
mandato de Marta Suplicy. Oportunismo eleitoral? "Não. O decreto de criação é de novembro do
ano passado, estamos trabalhando dentro dos prazos previstos",
afirma Araújo.
De qualquer forma, o curador
alfineta o governo estadual, que
havia lhe entregado o Museu do
Imaginário do Povo Brasileiro, no
prédio do Dops, e depois passou o
espaço para a Pinacoteca. "Nunca
entendi por que a Cláudia Costin
[secretária estadual da Cultura]
não quis executar o projeto, que
chegou a ser inaugurado. Mas ele
ainda vai acontecer", diz Araújo
com outro sorriso.
De acordo com o curador, que
não se define como diretor do
museu -"isso será definido nos
primeiros dez meses"-, o espaço
terá três vertentes: história, memória e arte. "Aqui nos interessa
desde uma pintura do século 19,
realizada por Estevan Silva, que se
negou a receber o segundo prêmio da Academia Imperial, em
frente a dom Pedro, como uma
pequena foto realizada por Militão Augusto do poeta Luis Gama,
o abolicionista cujo enterro mais
gente levou às ruas de São Paulo,
no século 19. De certa forma, o século 19, para os negros, é a história
de um fracasso", diz Araújo.
Uma de suas mais recentes
aquisições, que também estará
presente na mostra permanente, é
um conjunto de documentos sobre os escravos do barão de São
Clemente, no Rio, que continham
nome, idade, valor e profissão.
"Os ofícios perpassam a escravidão. Muitos escravos, ao contrário do que se pensa, exerciam funções técnicas, como marceneiros
ou até mesmo passadeiros. A história é um vetor importante do
museu", diz o curador.
E qual será o Rodin do Museu
Afro-Brasil? "Estamos abrindo a
primeira exposição temporária
no dia 20 de novembro, Dia da
Consciência Negra, que chama
"Brasileiro, Brasileiros". Pela primeira vez, vamos mostrar o índio
como formador da identidade, e
não apenas como folclore. Foram
os africanos que chegaram aqui e
viram que os índios eram os donos da terra, pois partiam do
princípio da África, segundo o
qual o que valia era a ancestralidade. Assim, começamos por recontar a história do Brasil."
Já no próximo ano, o museu sediará uma mostra com caráter internacional, a partir do acervo do
Museu de Etnologia de Lisboa, sobre arte africana. Seria parecida
com a recente exposição vista no
Centro Cultural Banco do Brasil?
"Aquela é uma coleção alemã",
diz, com desdém, Araújo.
Do curador, não param de jorrar planos. "Ah, vamos também
ter um espaço para a arte contemporânea africana, que nunca é vista por aqui. Pretendemos ter uma
importante interlocução internacional neste local", afirma Araújo.
Espaço expositivo, espaço de
pesquisa, qual será o privilegiado?
"O que temos de pensar sempre é
o holocausto que ocorreu aqui.
Enquanto o Brasil não resolve
aquilo que é a chave para entender esse país, isto é, a escravidão,
não temos como pensar este país
no século 21. É esse o nosso eixo
central", afirma o curador, agora
sem o sorriso nos lábios.
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