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MARCELO COELHO
Fascismo é outra história
Embora Nascimento seja o protagonista da história, ele não é apresentado como herói
FASCISTA? NÃO achei nem um
pouco. Se há algo a concluir de
"Tropa de Elite", filme de José
Padilha, é que policiais são corruptos, torturadores e assassinos; que
quando querem ser honestos aderem a um grupo de psicopatas; e que
os traficantes são piores ainda.
Mas cabe entrar em acordo quanto à definição do termo. "Fascista",
naturalmente, não se refere ao fenômeno político de extrema-direita
comum nos anos 30, que envolve
uma série de características ausentes quando se emprega a palavra
hoje em dia.
Penso, por exemplo, na mobilização de massas em torno de um herói
providencial, empenhado em "salvar a pátria" de perigos como o comunismo e a cobiça dos banqueiros
internacionais.
Classificar um filme de fascista,
atualmente, significa dizer que promove a glorificação da violência, o
desprezo à lei e aos direitos humanos. Para o fascista, se não houvesse
as ONGs para atrapalhar, a segurança pública estaria garantida. A polícia poderia fazer o seu serviço de
limpeza, matando quantos bandidos
quisesse, e assim todos os cidadãos
de bem poderiam viver tranqüilos.
Nesse sentido, parcela expressiva
da população talvez possa ser chamada de fascista; e aqueles que, assistindo a "Tropa de Elite", aplaudem as ações do capitão Nascimento
(o excelente Wagner Moura), sem
dúvida merecem essa qualificação.
Fora a circunstância de que a história se passa nos morros do Rio de
Janeiro, esse público tem muito
mais a aplaudir em qualquer filme
de tiroteio americano do que na produção de José Padilha.
A primeira metade do filme quase
não tem morticínio; o que vemos,
sobretudo, é um retrato circunstanciado, e quase sociológico, da corrupção policial. Os carros estão em
péssimo estado; peças e motores são
roubados pelos próprios membros
da corporação. Os PMs matam-se
uns aos outros na disputa dos pontos de arrecadação de propina. O encarregado de distribuir as folgas entre os soldados exige pagamento para ser camarada.
Quanto aos incorruptíveis, estes
só poderão sentir orgulho da polícia
se envergarem a farda negra, com
insígnias de caveira, do Bope (Batalhão de Operações Policiais Especiais). Há ritos sinistros no meio da
mata, treinamento brutal e obsessivo, tudo aquilo que, da SS nazista aos
filmes de direita americanos, todo
mundo conhece bem.
Mas, num filme americano, para
nada dizer da propaganda nazista,
há um aspecto que "Tropa de Elite"
não apresenta de jeito nenhum. É
a idéia de que, "assim", as coisas se
resolvem.
Com toda evidência, o filme de José Padilha não faz essa aposta. Embora o capitão Nascimento seja o
protagonista da história e, portanto,
tenha traços de humanidade, não é
apresentado como um herói nem
como um injustiçado; muito menos
sua humanidade se cerca dos recursos sentimentais tão comuns em
Hollywood: ninguém ameaça seu filhinho, por exemplo, nem toca na
sua mulher...
Ao longo de "Tropa de Elite", inexiste aquele aprendizado do ódio ao
vilão que Hollywood costuma impor
à platéia. E as cenas de violência,
embora causem enorme impacto,
não ganham aquela volúpia de pormenores, aquela coreografia quase
mística, aquela secura decisiva e irretorquível que se produz, por
exemplo, nas poucas coisas de Takeshi Kitano ou de John Woo a que
tive estômago de assistir.
Claro que não se trata apenas de
avaliar ideologicamente o filme de
José Padilha. A polêmica tem incidido neste ponto, mas envolve um julgamento estético também. A "estética" fascista depende de simplificação psicológica, concessão sentimental, rigor hierático e erotismo
reprimido.
Não há nada disso, nem tampouco
alguma beleza em "Tropa de Elite".
A arte do filme talvez esteja escondida em coisas muito sutis: por exemplo, a circunstância de que vários
horrores daquela história em particular nascem de iniciativas aparentemente inocentes, como a de oferecer óculos novos a um menino da
favela... Mas aí não posso contar
mais nada.
Só concluo dizendo que fascista é
o filme que apresenta a violência
policial como solução. "Tropa de
Elite" não mostra soluções, só problemas. E estes, com certeza, são
bem fascistas.
coelhofsp@uol.com.br
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