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Com Le Clézio, Nobel reforça o seu eurocentrismo
DA REPORTAGEM LOCAL
A premiação do francês
J.M.G. Le Clézio confirma a recente tendência de eurocentrismo da Academia Sueca
quanto ao Nobel de Literatura.
Dos últimos 15 vencedores,
12 são europeus. As exceções
foram o sul-africano J.M. Coetzee, premiado em 2003, e o turco Orhan Pamuk, que venceu
em 2006, ambos escritores
com fortes laços com a Europa.
O Nobel de Literatura só foi
dado a três americanos: Saul
Bellow (1976), John Steinbeck
(1962) e Hemingway (1954).
Na semana passada, Horace
Engdahl, secretário e porta-voz
da Academia Sueca, justificou a
preferência da instituição por
autores europeus nos últimos
anos. Em entrevista à agência
de notícias France Presse, ele
disse que há autores importantes em todas as "grandes culturas", mas que não se pode descartar que "a Europa ainda está
no centro do mundo literário".
O secretário lembrou que
muitos autores que têm origem
em outros países trabalham na
Europa, porque somente lá se
pode construir uma obra, com
toda tranqüilidade, sem o temor de ser massacrado. "É perigoso ser um escritor em muitos lugares da África e da Ásia".
Engdahl criticou os EUA, que
não são lembrados pela Academia desde 1993, quando a escritora Toni Morrison venceu o
Nobel. Para ele, o país teria
poucas chances de ver um de
seus autores vencerem, pois os
EUA são "isolados, não traduzem o bastante e não participam do diálogo das literaturas".
Engdahl lamenta ainda que
os escritores americanos contemporâneos "não se distanciem o suficiente da cultura de
massas que prevalece no país".
Ontem, Engdahl declarou
que Le Clézio havia atravessado diferentes fases de sua trajetória como escritor e passou a
incluir outras civilizações, outros modos de vida além do ocidental, em sua escrita.
Reações
As declarações de Engdahl
geraram polêmica nos EUA. O
editor da prestigiosa revista
"The New Yorker", David Remnick, disse que o secretário da
Academia, que se esqueceu de
premiar autores como Marcel
Proust, James Joyce e Vladimir
Nabokov, "poderia nos poupar
de suas lições de moral".
E acrescentou: "Se ele olhasse mais de perto, veria o dinamismo da geração de Roth e
Updike e dos romancistas mais
jovens, de origem imigrante.
Nenhuma dessas pobres almas
me parece destruída pelos efeitos devastadores da Coca-Cola", afirmou Remnick.
Harold Augenbraum, diretor
da fundação que concede o National Book Awards, um dos
principais prêmios literários
americanos, disse que gostaria
de enviar a Engdahl uma lista
de sugestões de leitura.
"Tais comentários me fazem
pensar que o sr. Engdahl leu
pouca literatura americana
além daquela voltada para o
grande público e tem uma visão
muito estreita do que constitui
a literatura de hoje".
O escritor Cristovão Tezza
faz uma ressalva quanto à idéia
de eurocentrismo do Nobel.
Para ele, a premiação de Le Clézio reforça uma linha "globalizante" do prêmio.
"Filho de pai inglês e mãe
francesa, com uma marcante
experiência de infância na África, produziu uma obra que representa o cruzamento, ou o
choque, da tradição ocidental
mais refinada com o impacto da
periferia colonial."
(ES e SC)
Leia trecho do romance "O Africano", de Le Clézio
www.folha.com.br/082831
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