São Paulo, sexta-feira, 10 de outubro de 2008

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Com Le Clézio, Nobel reforça o seu eurocentrismo

DA REPORTAGEM LOCAL

A premiação do francês J.M.G. Le Clézio confirma a recente tendência de eurocentrismo da Academia Sueca quanto ao Nobel de Literatura. Dos últimos 15 vencedores, 12 são europeus. As exceções foram o sul-africano J.M. Coetzee, premiado em 2003, e o turco Orhan Pamuk, que venceu em 2006, ambos escritores com fortes laços com a Europa.
O Nobel de Literatura só foi dado a três americanos: Saul Bellow (1976), John Steinbeck (1962) e Hemingway (1954). Na semana passada, Horace Engdahl, secretário e porta-voz da Academia Sueca, justificou a preferência da instituição por autores europeus nos últimos anos. Em entrevista à agência de notícias France Presse, ele disse que há autores importantes em todas as "grandes culturas", mas que não se pode descartar que "a Europa ainda está no centro do mundo literário".
O secretário lembrou que muitos autores que têm origem em outros países trabalham na Europa, porque somente lá se pode construir uma obra, com toda tranqüilidade, sem o temor de ser massacrado. "É perigoso ser um escritor em muitos lugares da África e da Ásia". Engdahl criticou os EUA, que não são lembrados pela Academia desde 1993, quando a escritora Toni Morrison venceu o Nobel. Para ele, o país teria poucas chances de ver um de seus autores vencerem, pois os EUA são "isolados, não traduzem o bastante e não participam do diálogo das literaturas". Engdahl lamenta ainda que os escritores americanos contemporâneos "não se distanciem o suficiente da cultura de massas que prevalece no país".
Ontem, Engdahl declarou que Le Clézio havia atravessado diferentes fases de sua trajetória como escritor e passou a incluir outras civilizações, outros modos de vida além do ocidental, em sua escrita.

Reações
As declarações de Engdahl geraram polêmica nos EUA. O editor da prestigiosa revista "The New Yorker", David Remnick, disse que o secretário da Academia, que se esqueceu de premiar autores como Marcel Proust, James Joyce e Vladimir Nabokov, "poderia nos poupar de suas lições de moral".
E acrescentou: "Se ele olhasse mais de perto, veria o dinamismo da geração de Roth e Updike e dos romancistas mais jovens, de origem imigrante. Nenhuma dessas pobres almas me parece destruída pelos efeitos devastadores da Coca-Cola", afirmou Remnick. Harold Augenbraum, diretor da fundação que concede o National Book Awards, um dos principais prêmios literários americanos, disse que gostaria de enviar a Engdahl uma lista de sugestões de leitura.
"Tais comentários me fazem pensar que o sr. Engdahl leu pouca literatura americana além daquela voltada para o grande público e tem uma visão muito estreita do que constitui a literatura de hoje".
O escritor Cristovão Tezza faz uma ressalva quanto à idéia de eurocentrismo do Nobel. Para ele, a premiação de Le Clézio reforça uma linha "globalizante" do prêmio. "Filho de pai inglês e mãe francesa, com uma marcante experiência de infância na África, produziu uma obra que representa o cruzamento, ou o choque, da tradição ocidental mais refinada com o impacto da periferia colonial." (ES e SC)


Leia trecho do romance "O Africano", de Le Clézio
www.folha.com.br/082831



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