São Paulo, sexta-feira, 10 de outubro de 2008

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CINEMA

"É como se estivesse com seu amante"

A atriz e diretora Liv Ullmann, musa de Ingmar Bergman, fala sobre o diretor

Norueguesa, em SP para retrospectiva de seus filmes na Cinemateca, diz à Folha considerar "Saraband", último longa do sueco, "sombrio"

CRISTINA FIBE
DA REPORTAGEM LOCAL

Prestes a completar 70 anos (em 16 de dezembro), a atriz e diretora norueguesa Liv Ullmann, musa de Ingmar Bergman (1918-2007), não vê sua carreira como encerrada.
Em São Paulo para a retrospectiva de sua obra, que vai até o dia 16, ela conta que seu próximo "grande" projeto é ir a Sydney dirigir Cate Blanchett na peça de Tennessee Williams "Um Bonde Chamado Desejo", que depois leva a Washington e à Broadway.
Fora dos palcos, pode ser que volte aos cinemas como diretora e aprenda uma técnica cujo nome às vezes lhe foge: digital.
Após o fracasso que sentiu em "Saraband", último filme de Bergman, primeira experiência digital de ambos, ela cogita voltar à técnica para documentar suas viagens de caridade.
Enquanto isso, veio ao Brasil para a mostra de seus filmes (veja quadro), que ajudou a selecionar. Curiosamente, "Saraband", seqüência de "Cenas de um Casamento", ficou de fora.
"É o último filme de Bergman, e todos o adoram, mas acho tão sombrio...", justifica, garantindo não se cansar de falar sobre o diretor, com quem morou por cinco anos (no fim da década de 60), fez mais de uma dezena de filmes e teve sua única filha, Linn.
Ela se emociona ao contar que, após as últimas cenas que Bergman rodou, em Estocolmo, ele recusou uma festa que celebraria sua anunciada despedida dos sets, "deu um tchau, saiu, pegou o avião para sua ilha e ninguém mais o viu, exceto eu e mais algumas pessoas que foram lá visitá-lo". "Foi inacreditável. Muito triste."
Em "Saraband", por causa do digital, Ullmann diz que "perdeu o espectador ao lado da câmera". "Ingmar estava lá longe, olhando um monitor. Foi tão estranho. Mas, de repente, quando ele disse "câmera", lá do canto, senti... Eram como sinais de fumaça, eu sabia o que ele sentia, e acho que ele sabia o que eu sentia."
Não que os "sinais de fumaça" tenham melhorado a ausência da película. "Odiei, Ingmar odiou. Ele ficou tão infeliz, não entendia, não sabia realmente o que era [o digital]."
O hábito de ficar perto da câmera foi um dos fatores que fez de Bergman "um diretor excepcional", diz ela.
"Você atuava e sabia que aqueles olhos viam muito mais do que se pode explicar... E ele nunca falava muito, mas é como se você estivesse com seu amante, que realmente a vê, você dá o seu melhor, sorri o seu melhor, chora o seu melhor."

Arrependimento
Além de "um diretor incrível", o sueco é responsável pelo único arrependimento da carreira da atriz. "A única coisa que foi burra [na sua trajetória] foi que, quando ele estava fazendo "Fanny e Alexander", ele escreveu o papel pra mim. E eu falei que era mais uma tragédia, que queria fazer um filme norueguês, e fiz. Ele ficou muito bravo, por muito tempo."
Mas, indagada se é Bergman sua maior influência como diretora, ela evita dar a ele o mérito. "Sei que quem me ensinou as coisas mais importantes foram os maus diretores."
De seus trabalhos como atriz, ela tampouco escolhe um filme dele como seu favorito. "Seria "Os Emigrantes", de Jan Troell. Adoro a mulher que interpreto... Deve ser incrível viver uma vida com um homem e ter uma família, esse é meu sonho, mas é claro que nunca me aconteceu." O casamento com Bergman não foi o único, e Ullmann carrega certa culpa por ter sido mãe solteira e trabalhar.
Ela conta detalhes "sobre ser mãe, ser mulher, ser deixada" no livro "Mutações", que publicou em 1976. A obra é lançada agora no Brasil, em sua primeira tradução para o português (de Sonia Coutinho), pela Cosac Naify (R$ 45, 224 págs.).
Foi com o livro, diz, que descobriu ser "uma mulher libertadora" e passou a ter "uma plataforma". Politizada e morando entre os EUA e a Noruega, evita declarar para quem torce nas eleições americanas. "Não posso dizer, ainda não tenho "green card" e quero voltar a entrar nos EUA", ri. Quando começa a comentar sua óbvia opção, arrepende-se e pede que a Folha não publique nada daquilo.
O cônsul norueguês, que apóia a mostra e assiste a tudo, interrompe para reforçar o veto. Não quer que os belos olhos azuis tenham desafetos.


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