|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
O texto abaixo contém um Erramos, clique aqui para conferir a correção na versão eletrônica da Folha de S.Paulo.
CINEMA
"É como se estivesse com seu amante"
A atriz e diretora Liv Ullmann, musa de Ingmar Bergman, fala sobre o diretor
Norueguesa, em SP para retrospectiva de seus filmes na Cinemateca, diz à Folha considerar "Saraband", último longa do sueco, "sombrio"
CRISTINA FIBE
DA REPORTAGEM LOCAL
Prestes a completar 70 anos
(em 16 de dezembro), a atriz e
diretora norueguesa Liv Ullmann, musa de Ingmar Bergman (1918-2007), não vê sua
carreira como encerrada.
Em São Paulo para a retrospectiva de sua obra, que vai até
o dia 16, ela conta que seu próximo "grande" projeto é ir a
Sydney dirigir Cate Blanchett
na peça de Tennessee Williams
"Um Bonde Chamado Desejo",
que depois leva a Washington e
à Broadway.
Fora dos palcos, pode ser que
volte aos cinemas como diretora e aprenda uma técnica cujo
nome às vezes lhe foge: digital.
Após o fracasso que sentiu
em "Saraband", último filme de
Bergman, primeira experiência
digital de ambos, ela cogita voltar à técnica para documentar
suas viagens de caridade.
Enquanto isso, veio ao Brasil
para a mostra de seus filmes
(veja quadro), que ajudou a selecionar. Curiosamente, "Saraband", seqüência de "Cenas de
um Casamento", ficou de fora.
"É o último filme de Bergman, e todos o adoram, mas
acho tão sombrio...", justifica,
garantindo não se cansar de falar sobre o diretor, com quem
morou por cinco anos (no fim
da década de 60), fez mais de
uma dezena de filmes e teve sua
única filha, Linn.
Ela se emociona ao contar
que, após as últimas cenas que
Bergman rodou, em Estocolmo, ele recusou uma festa que
celebraria sua anunciada despedida dos sets, "deu um tchau,
saiu, pegou o avião para sua ilha
e ninguém mais o viu, exceto eu
e mais algumas pessoas que foram lá visitá-lo". "Foi inacreditável. Muito triste."
Em "Saraband", por causa do
digital, Ullmann diz que "perdeu o espectador ao lado da câmera". "Ingmar estava lá longe,
olhando um monitor. Foi tão
estranho. Mas, de repente,
quando ele disse "câmera", lá do
canto, senti... Eram como sinais
de fumaça, eu sabia o que ele
sentia, e acho que ele sabia o
que eu sentia."
Não que os "sinais de fumaça" tenham melhorado a ausência da película. "Odiei, Ingmar odiou. Ele ficou tão infeliz,
não entendia, não sabia realmente o que era [o digital]."
O hábito de ficar perto da câmera foi um dos fatores que fez
de Bergman "um diretor excepcional", diz ela.
"Você atuava e sabia que
aqueles olhos viam muito mais
do que se pode explicar... E ele
nunca falava muito, mas é como se você estivesse com seu
amante, que realmente a vê, você dá o seu melhor, sorri o seu
melhor, chora o seu melhor."
Arrependimento
Além de "um diretor incrível", o sueco é responsável pelo
único arrependimento da carreira da atriz. "A única coisa
que foi burra [na sua trajetória]
foi que, quando ele estava fazendo "Fanny e Alexander", ele
escreveu o papel pra mim. E eu
falei que era mais uma tragédia,
que queria fazer um filme norueguês, e fiz. Ele ficou muito
bravo, por muito tempo."
Mas, indagada se é Bergman
sua maior influência como diretora, ela evita dar a ele o mérito. "Sei que quem me ensinou
as coisas mais importantes foram os maus diretores."
De seus trabalhos como atriz,
ela tampouco escolhe um filme
dele como seu favorito. "Seria
"Os Emigrantes", de Jan Troell.
Adoro a mulher que interpreto... Deve ser incrível viver uma
vida com um homem e ter uma
família, esse é meu sonho, mas
é claro que nunca me aconteceu." O casamento com Bergman não foi o único, e Ullmann
carrega certa culpa por ter sido
mãe solteira e trabalhar.
Ela conta detalhes "sobre ser
mãe, ser mulher, ser deixada"
no livro "Mutações", que publicou em 1976. A obra é lançada
agora no Brasil, em sua primeira tradução para o português
(de Sonia Coutinho), pela Cosac Naify (R$ 45, 224 págs.).
Foi com o livro, diz, que descobriu ser "uma mulher libertadora" e passou a ter "uma plataforma". Politizada e morando
entre os EUA e a Noruega, evita
declarar para quem torce nas
eleições americanas. "Não posso dizer, ainda não tenho "green
card" e quero voltar a entrar nos
EUA", ri. Quando começa a comentar sua óbvia opção, arrepende-se e pede que a Folha
não publique nada daquilo.
O cônsul norueguês, que
apóia a mostra e assiste a tudo,
interrompe para reforçar o veto. Não quer que os belos olhos
azuis tenham desafetos.
Texto Anterior: Homenagens marcam centenário de Cartola Próximo Texto: Homenageada reclama de seu pôster Índice
|