São Paulo, domingo, 10 de outubro de 2010

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Lentes de Gattai driblam restrições

Acervo mostra que produção fotográfica da escritora foi além das imagens do próprio marido, Jorge Amado

Acesso livre ao mundo comunista e a intelectuais resultou em imagens raras aos olhos do Ocidente

MARCELO BORTOLOTI
ENVIADO ESPECIAL A SALVADOR

Em 1952, o escritor Jorge Amado (1912-2001) era um nome eminente dentro do Partido Comunista. Seus livros, traduzidos para o russo, ucraniano e alemão, tinham trânsito livre pela Cortina de Ferro.
No caso da União Soviética, havia o inconveniente de os direitos autorais serem pagos em rublos. O escritor tinha de ir ao país não apenas para receber o dinheiro como para gastá-lo, já que o câmbio era inviável.
Numa destas viagens, ele presenteou sua mulher, Zélia Gattai, com uma câmera profissional da marca Kiev.
Começava ali uma atividade que iria consumir boa parte do tempo da escritora. No final da vida, ela chegou ao impressionante número de 20 mil fotografias, hoje arquivadas na Fundação Casa de Jorge Amado, em Salvador. A maioria deste material diz respeito a Jorge Amado.
Seu tema predileto foi explorado no livro "Reportagem Incompleta", de 1987, fotobiografia do escritor.
Mas sua produção é mais ampla do que isto, e uma nova organização do acervo, seguida pela edição de uma série de livros -o primeiro deles a ser lançado este ano- está ajudando a descortinar um lado pouco conhecido de Zélia Gattai (1916-2008).
Mais do que uma fotógrafa acidental, que fazia registros da família e do marido, ela é autora de imagens raras de personalidades e lugares pouco acessíveis.
Além do valor documental, muitas delas revelam apuro estético. "Não é um trabalho amador. Ela tinha consciência formal", diz o pesquisador Sérgio Burgi, do Instituto Moreira Salles, que analisou as imagens a pedido da Folha.

FLAGRANTES
Zélia soube tirar proveito da proximidade do marido com figuras de expressão e do fácil trânsito dele, também um dirigente comunista, a países então restritos aos olhos ocidentais. Em plena Guerra Fria, ela registrou o cotidiano da China, Checoslováquia, União Soviética e Mongólia.
Flagrou os amigos sem a rigidez das fotos oficiais. É o caso de Pablo Neruda, cujos instantâneos revelam uma descontração pouco usual ao poeta. Em 1959, registrou o filósofo Jean-Paul Sartre e sua mulher Simone de Beauvoir trocando presentes com índios do Xingu.
Zélia também documentou os últimos momentos de Glauber Rocha, quando o cineasta estava internado num hospital próximo a Lisboa, no início da década de 1980.
"Estamos catalogando [o acervo] para facilitar o estudo da atividade dela como fotógrafa", diz Bete Capinan, responsável pelo projeto.
Paloma Amado, filha de Zélia e Jorge Amado, lembra o empenho da mãe. "No apartamento do Rio, ela tinha um estúdio de revelação improvisado num quarto de empregada. Lá dentro, perdia a noção do tempo", diz.
Dois anos após sua morte, este lado menos conhecido começa a vir à tona.


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