São Paulo, quarta-feira, 10 de novembro de 2004

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RÉPLICA

Uma questão de gosto

GLORIA KALIL
ESPECIAL PARA A FOLHA

Gosto não se discute. Erika Palomino diz em seu artigo "Por que não gostei de "Fashion Passion'" (Ilustrada, 29/10/04) que acha o vestido arco-íris de Alexander McQueen o mais bonito dos que estão expostos na Oca. Eu prefiro a camiseta listrada de Jean Paul Gaultier. Dez outras pessoas darão dez respostas diferentes. Questão de gosto.
No entanto, podemos discutir as afirmações feitas de que faltou carinho, respeito e até mesmo conceito no tratamento dado à moda brasileira. Aí, não se trata mais de questão de gosto, mas de um equívoco de interpretação.
A "Fashion Passion" foi uma exposição encomendada pela BrasilConnects ao curador francês Jean-Louis Froment para mostrar a moda como contribuição artística para a cultura do século 20. Esta exposição que ele concebeu para a Oca juntamente com as experts em moda Pamela Golbin e Florence Müller não foi pensada no interesse exclusivo do mundo fashion (o que seria mais apropriado para uma escola de moda), mas para a cultura geral, como qualquer exposição de arte.
Faz parte das propostas das curadorias contemporâneas internacionais deixar um espaço aberto, para que os visitantes dialoguem com o pensamento do curador e que colaborem com suas próprias idéias no caminho proposto pela exposição. Não se espera que se esclareça em legendas se Monet ainda está vivo ou se Nam June Paik é homem ou mulher. Monitores afiados e competentes estão lá para esclarecer e orientar os visitantes.
Em um ano de trabalho eles reuniram mais de 600 peças entre roupas e fotografias e organizaram com elas dez pavilhões de nomes intencionalmente líricos que correspondem ao olhar desses curadores sobre a moda.
Poderia ser melhor? Poderia ser diferente? Por que essa roupa e não aquela? Sempre sobra espaço para indagações na saída de qualquer exposição. O importante é que ela consiga surpreender, fazer pensar, chamar à participação.
Em janeiro de 2004 Regina Guerreiro e eu fomos chamadas para incluir o Brasil neste panorama de cem anos de moda. Nada mais desafiador e estimulante. Como integrar nossa moda tão jovem nesta perspectiva?
Não temos cem anos de cultura de moda e não poderíamos, sem forçar a mão, encontrar nas roupas brasileiras paralelismos para todos os pavilhões imaginados pela curadoria francesa. A própria Erika diz: "Chanel não tem mesmo resposta. Nem aqui nem na China". Preferimos então sublinhar os conceitos de cada um deles com referências culturais nossas, reforçando as associações poéticas propostas.

Moda brasileira
A moda brasileira não é uma moda de museu, mas uma moda viva que precisa do corpo como suporte e que tem nas ruas e praias sua passarela. Por isso essa moda jovem, vigorosa e cheia de personalidade foi colocada no mais lindo lugar da Oca, seu topo, sua apoteose, para mostrar uma praça em festa, viva e cheia de gente circulando com tudo o que temos de mais conhecido (como a moda praia), tudo o que temos de mais expressivo em termos de produção (como os jeans) e também nossa moda contemporânea, moderna e inteiramente diferente da deles, desenhada por brasileiros. Uma roupa com a nossa cara, nossas cores, nossa identidade.
Uma "Fashion Passion" verde-e-amarela? Por que não? É bom lembrar que nem todo verde-amarelismo é folclórico, mas emblemático de momentos de afirmação de nossa cultura -vide a Semana de Arte Moderna de 22. Estão lá na apoteose 117 peças escolhidas neste conceito: a sofisticada Carmem Miranda pop de Herchcovitch, a refinada saia de palha de coco plissada de Lino Villaventura e tantas outras.
Deixamos de mostrar alguns nomes de peso? Certamente. Alguns porque não tinham mais os modelos que precisávamos; outros porque não tinham peças que se enquadrassem no partido muito claro que tomamos -o de privilegiar a moda que homenageia o Brasil. Acreditamos que nosso pavilhão faria bonito em qualquer museu do mundo.
Dê um pulo na Oca e veja por você mesmo. Pena não termos lembrado, como sugeriu a Erika, de pôr um garçom circulando com caipirinhas. Ia ser sucesso. Entre brasileiros e estrangeiros.


Gloria Kalil é curadora da "Fashion Passion", na Oca (av. Pedro Álvares Cabral, s/nš, Ibirapuera, tel. 0/xx/11/5549-0449)


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