|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
RÉPLICA
Uma questão de gosto
GLORIA KALIL
ESPECIAL PARA A FOLHA
Gosto não se discute. Erika
Palomino diz em seu artigo
"Por que não gostei de "Fashion
Passion'" (Ilustrada, 29/10/04)
que acha o vestido arco-íris de
Alexander McQueen o mais bonito dos que estão expostos na Oca.
Eu prefiro a camiseta listrada de
Jean Paul Gaultier. Dez outras
pessoas darão dez respostas diferentes. Questão de gosto.
No entanto, podemos discutir
as afirmações feitas de que faltou
carinho, respeito e até mesmo
conceito no tratamento dado à
moda brasileira. Aí, não se trata
mais de questão de gosto, mas de
um equívoco de interpretação.
A "Fashion Passion" foi uma exposição encomendada pela BrasilConnects ao curador francês
Jean-Louis Froment para mostrar
a moda como contribuição artística para a cultura do século 20.
Esta exposição que ele concebeu
para a Oca juntamente com as experts em moda Pamela Golbin e
Florence Müller não foi pensada
no interesse exclusivo do mundo
fashion (o que seria mais apropriado para uma escola de moda),
mas para a cultura geral, como
qualquer exposição de arte.
Faz parte das propostas das curadorias contemporâneas internacionais deixar um espaço aberto, para que os visitantes dialoguem com o pensamento do curador e que colaborem com suas
próprias idéias no caminho proposto pela exposição. Não se espera que se esclareça em legendas
se Monet ainda está vivo ou se
Nam June Paik é homem ou mulher. Monitores afiados e competentes estão lá para esclarecer e
orientar os visitantes.
Em um ano de trabalho eles reuniram mais de 600 peças entre
roupas e fotografias e organizaram com elas dez pavilhões de nomes intencionalmente líricos que
correspondem ao olhar desses curadores sobre a moda.
Poderia ser melhor? Poderia ser
diferente? Por que essa roupa e
não aquela? Sempre sobra espaço
para indagações na saída de qualquer exposição. O importante é
que ela consiga surpreender, fazer
pensar, chamar à participação.
Em janeiro de 2004 Regina
Guerreiro e eu fomos chamadas
para incluir o Brasil neste panorama de cem anos de moda. Nada
mais desafiador e estimulante.
Como integrar nossa moda tão jovem nesta perspectiva?
Não temos cem anos de cultura
de moda e não poderíamos, sem
forçar a mão, encontrar nas roupas brasileiras paralelismos para
todos os pavilhões imaginados
pela curadoria francesa. A própria
Erika diz: "Chanel não tem mesmo resposta. Nem aqui nem na
China". Preferimos então sublinhar os conceitos de cada um deles com referências culturais nossas, reforçando as associações
poéticas propostas.
Moda brasileira
A moda brasileira não é uma
moda de museu, mas uma moda
viva que precisa do corpo como
suporte e que tem nas ruas e
praias sua passarela. Por isso essa
moda jovem, vigorosa e cheia de
personalidade foi colocada no
mais lindo lugar da Oca, seu topo,
sua apoteose, para mostrar uma
praça em festa, viva e cheia de
gente circulando com tudo o que
temos de mais conhecido (como a
moda praia), tudo o que temos de
mais expressivo em termos de
produção (como os jeans) e também nossa moda contemporânea,
moderna e inteiramente diferente
da deles, desenhada por brasileiros. Uma roupa com a nossa cara,
nossas cores, nossa identidade.
Uma "Fashion Passion" verde-e-amarela? Por que não? É bom
lembrar que nem todo verde-amarelismo é folclórico, mas emblemático de momentos de afirmação de nossa cultura -vide a
Semana de Arte Moderna de 22.
Estão lá na apoteose 117 peças escolhidas neste conceito: a sofisticada Carmem Miranda pop de
Herchcovitch, a refinada saia de
palha de coco plissada de Lino Villaventura e tantas outras.
Deixamos de mostrar alguns
nomes de peso? Certamente. Alguns porque não tinham mais os
modelos que precisávamos; outros porque não tinham peças que
se enquadrassem no partido muito claro que tomamos -o de privilegiar a moda que homenageia o
Brasil. Acreditamos que nosso pavilhão faria bonito em qualquer
museu do mundo.
Dê um pulo na Oca e veja por
você mesmo. Pena não termos
lembrado, como sugeriu a Erika,
de pôr um garçom circulando
com caipirinhas. Ia ser sucesso.
Entre brasileiros e estrangeiros.
Gloria Kalil é curadora da "Fashion Passion", na Oca (av. Pedro Álvares Cabral,
s/nš, Ibirapuera, tel. 0/xx/11/5549-0449)
Texto Anterior: Mostra: Projeto mapeia identidade do interior Próximo Texto: Panorâmica - Cinema: Morre o ator paulista Sérgio Hingst Índice
|