São Paulo, segunda-feira, 10 de novembro de 2008

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a vida é sonho

Filme que revela a "espontaneidade construída" do poeta Waly Salomão, eleito melhor documentário de 2008, tem pré-estréia hoje

Janete Longo - 11.ago.98/Folha Imagem
O poeta e letrista Waly Salomão (que morreu no Rio, aos 59 anos, em 2003) posa durante lançamento de livro "Lábia"no Spot, em São Paulo

RAFAEL CARIELLO
DA REPORTAGEM LOCAL

O poeta Waly Salomão aparece diante da câmera enquanto atravessa a Amazônia rumo à fronteira norte do país.
Embalado pelas crateras de uma estrada de terra que jogam a Kombi precária como um barco numa tempestade, ele explica para uma desconhecida companheira de viagem que o Brasil poderia abarcar o mundo inteiro, poderia incluir todos os atuais países com que faz fronteira, a América do Norte e até a Oceania, "se Deus não tivesse levado aqui da Terra o barão do Rio Branco".
A referência bem-humorada ao diplomata que negociou a expansão dos limites territoriais brasileiros, embora pareça delirante e despropositada, é coerente com o tema crucial da poesia e da vida de Waly (1944-2003): a necessária imprecisão de fronteiras.
É como uma espécie de antibarão do Rio Branco do delírio e da razão, da vida e do sonho, da realidade e do cinema, da verdade e da representação que Waly aparece retratado no filme de Carlos Nader "Pan-Cinema Permanente", eleito o melhor documentário de 2008 no festival É Tudo Verdade.
O filme entra em cartaz no Rio e em SP na próxima sexta-feira, mas tem pré-estréia hoje, no Cine Bombril, dentro da série Folha Documenta. A sessão é gratuita, seguida de debate com o diretor e com o poeta Antonio Cicero [mais detalhes em texto nesta página].

Representação
A idéia do filme nasceu de uma conversa entre Nader e Waly, durante uma caminhada pela praia do Leblon, no Rio, no início dos anos 90. O autor dos livros "Gigolô de Bibelôs" e "Lábia" dizia ao amigo de seu entusiasmo com as possibilidades abertas pelas pequenas câmeras digitais -recentes então-, que diminuiriam as mediações para a realização de um filme e tornariam menos claros os limites entre vida e cinema.
Seguiu-se um trabalho de 15 anos e mais de 300 horas de imagens de Waly no Brasil, na Síria, na fronteira com a Venezuela, até a conclusão do filme.
"Comecei a montar em maio de 2006, e não sabia o que fazer. Até que li um ensaio do Antonio Cicero em que ele falava dessa característica do Waly de encarar a vida como teatro. Foi aí que entendi que o filme deveria ser sobre a representação."
De fato, ao longo do filme, Waly está sempre "representando" para a câmera, muitas vezes de dedo em riste -prática que Nader chama de "performances de lucidez". Num desses momentos, diz: "Não preciso de verdades. Para viver, você só precisa de mentiras". E provoca: "Chega desse papo furado de que o sonho acabou. A vida é sonho".
Não se trata, é claro, da defesa de que tudo é falso. Quando a fronteira se rompe, os dois lados se interpenetram. A "espontaneidade construída" de Waly, segundo a expressão de Cicero, é verdadeira.

Delicado e estridente
Nisso, o retrato desse personagem ao mesmo tempo "delicado" e "estridente", como o parceiro Caetano Veloso o define numa canção de seu último CD, tem semelhanças com outros documentários brasileiros recentes que discutem os limites do gênero. Nader cita "Santiago", de João Moreira Salles, e "Jogo de Cena", de Eduardo Coutinho, ambos de 2007, como exemplos de obras que propõem discussões semelhantes àquela que ele procura fazer com seu filme.
As filmagens acompanharam o momento de ápice da produção poética de Waly, que lançaria, em 1996, pela editora 34, o livro "Algaravias". "Acho esse o melhor livro dele", diz o diretor. "Foi quando achou a sua voz, única." Muitos dos poemas lidos ao longo do filme, incluindo o que dá título ao documentário, estão incluídos nesse pequeno livrinho.
O amigo Antonio Cicero afirma que a "dicção poética" inventada por Waly deve criar dificuldades para "quem precisa rotular escritores a fim de avaliá-los". Sua poesia, diz, também traz a marca de uma espontaneidade forjada. "Waly não é concretista, não é tropicalista e também não é um poeta marginal. Sua poesia não é nada espontânea, como tudo dele. É muito trabalhada, e muito erudita", diz Cicero.


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