São Paulo, terça-feira, 10 de novembro de 2009

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"Houve retrocesso na música em SP"

John Neschling lança livro de memórias que trata da reformulação da Osesp, orquestra da qual foi demitido em janeiro

Maestro critica aumento dos ingressos da temporada e afirma que a cena musical erudita nunca esteve tão ameaçada em SP e no Rio

MARCOS STRECKER
DA REPORTAGEM LOCAL

"Não quero fazer um acerto de contas", afirma o maestro John Neschling sobre o livro "Música Mundana" (Rocco, 192 págs., R$ 29,50), que está chegando às livrarias. Mas, como não é possível separar sua carreira do fenômeno Osesp, a bem-sucedida reformulação, a partir de 1997, da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo sob critérios de Primeiro Mundo, seu livro de memórias e reflexões musicais acabou exprimindo a relação que terminou de forma traumática em janeiro passado. Na obra ele não cita nenhum nome envolvido nos episódios que culminaram na sua demissão. Também evita detalhes que revelem os bastidores de episódios críticos, como a divulgação de uma gravação em que ele chama o governador de São Paulo, José Serra, de "menino mimado" e "autoritário". Mas Neschling discorre longamente sobre o processo da criação da Sala São Paulo, símbolo de um patrimônio cultural que, segundo ele, está ameaçado -a crise sinalizaria que a trajetória acidentada da música erudita no Brasil se perpetua. Em entrevista, o maestro diz que "está indignado com a falta de indignação das pessoas", afirma que nunca a cena musical erudita esteve tão ameaçada em São Paulo e no Rio, lamenta que a música brasileira tenha saído do foco principal da programação 2010 da Osesp e dá pistas sobre um novo projeto que prepara com o Ministério da Cultura: a criação de uma companhia de ópera. O livro teve lançamento ontem à noite, na Livraria Cultura do Conjunto Nacional, em São Paulo. Leia a seguir os principais trechos da entrevista.

 

SAÍDA DA OSESP
A transição fracassou a partir do momento em que decidiram fazer desse jeito [a demissão]. Eu propus a eles uma transição concertada, comigo, que me permitisse chegar a 2012, 2013, procurando com calma um sucessor. Tive diversas reuniões com o conselho e não consegui convencê-los. Houve diversas linhas cruzadas nos últimos anos. A forma como me dispensaram é indigna. Que você tenha uma alternância, isso não se pode discutir. Está escrito nos estatutos, o conselho [da Fundação Osesp] tem o direito de tirar e indicar quem quiser. Mas [o conselho] também tem responsabilidades quanto à qualidade da Osesp.

LIVRO
Meu livro não é um acerto de contas. Para mim, a Osesp acabou. São fases da vida. Contei o que aconteceu e tentei descrever os momentos de angústia.

MÚSICA EM SÃO PAULO
Vejo um nítido retrocesso. Até 2006, São Paulo vinha num crescendo enorme, ganhando todos os prêmios, gravando, trazendo nomes de fora. Neste ano, três teatros fecharam: o Cultura Artística [após incêndio], o Teatro Municipal e o São Pedro [para reforma].

CENA MUSICAL
Aquilo que a Osesp conseguiu deslanchar no Brasil até 2006 piorou significativamente. Há exceções, como Minas Gerais e Sergipe. Mas o entusiasmo diminuiu muito. Sobretudo no eixo São Paulo-Rio, onde houve um retrocesso inimaginável nos últimos quatro anos. No Rio, comemoraram o centenário do Teatro Municipal na calçada. Você comemora cem anos na calçada, em vez de comemorar no teatro?

TEMPORADA 2010 DA OSESP
Acho [o aumento nos ingressos da Osesp] um absurdo, fico indignado. É uma orquestra do governo, que criou um patrimônio de 12 mil assinantes com muito esforço. Durante anos, lutei para criar um corpo de assinantes grande, que vestia a camisa da orquestra. Foram conquistas suadas para chegar à democratização do acesso. E isso sem fazer concessões qualitativas. Pôr esse patrimônio em risco, aumentando em 70% as assinaturas, tratando o assinante como "cidadão-assinante", um termo que empregam e que me lembra o integralismo... Isso é uma agressão desnecessária ao assinante, vai custar caro à Osesp...

PROGRAMAÇÃO 2010
A programação 2010 ainda tem muitos ecos meus, mas, onde não tem, acho muito falha. Não tem música brasileira, que ficou completamente descontemplada. Essa Osesp que está aí não é mais a minha Osesp, não é mais o meu projeto. Se vai dar certo ou não, se foi bom o que fizeram ou não, só o futuro dirá. Acho uma grande perda não ter programação de ópera, sobretudo no momento em que não há outra ópera.

TURNÊ 2009 NOS EUA
A turnê que eu havia planejado previa o Carnegie Hall (em Nova York), Los Angeles, Fort Lauderdale. Queria tocar em Las Vegas. Esses concertos já estavam todos marcados. Não sei o que aconteceu para serem desmarcados. O único que ficou é o de Chicago. Tiraram os pilares da temporada, o que tira o sentido da turnê. Custa uma fortuna e não tem retorno. Ainda mais com um regente completamente desconhecido, um garoto, Kazem Abdullah.

NOVA COMPANHIA DE ÓPERA
Ainda não tenho liberdade para falar. Existe um projeto, espero que dê certo. Posso dizer que é uma companhia nova. Uma ideia minha que estabelece parâmetros que até agora não existiram no Brasil. Se der certo, é para 2010.


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