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"Houve retrocesso na música em SP"
John Neschling lança livro de memórias que trata da reformulação da Osesp, orquestra da qual foi demitido em janeiro
Maestro critica aumento dos ingressos da temporada e afirma que a cena musical erudita nunca esteve tão ameaçada em SP e no Rio
MARCOS STRECKER
DA REPORTAGEM LOCAL
"Não quero fazer um acerto
de contas", afirma o maestro
John Neschling sobre o livro
"Música Mundana" (Rocco, 192
págs., R$ 29,50), que está chegando às livrarias.
Mas, como não é possível separar sua carreira do fenômeno
Osesp, a bem-sucedida reformulação, a partir de 1997, da
Orquestra Sinfônica do Estado
de São Paulo sob critérios de
Primeiro Mundo, seu livro de
memórias e reflexões musicais
acabou exprimindo a relação
que terminou de forma traumática em janeiro passado.
Na obra ele não cita nenhum
nome envolvido nos episódios
que culminaram na sua demissão. Também evita detalhes
que revelem os bastidores de
episódios críticos, como a divulgação de uma gravação em
que ele chama o governador de
São Paulo, José Serra, de "menino mimado" e "autoritário".
Mas Neschling discorre longamente sobre o processo da
criação da Sala São Paulo, símbolo de um patrimônio cultural
que, segundo ele, está ameaçado -a crise sinalizaria que a
trajetória acidentada da música
erudita no Brasil se perpetua.
Em entrevista, o maestro diz
que "está indignado com a falta
de indignação das pessoas",
afirma que nunca a cena musical erudita esteve tão ameaçada
em São Paulo e no Rio, lamenta
que a música brasileira tenha
saído do foco principal da programação 2010 da Osesp e dá
pistas sobre um novo projeto
que prepara com o Ministério
da Cultura: a criação de uma
companhia de ópera.
O livro teve lançamento ontem à noite, na Livraria Cultura
do Conjunto Nacional, em São
Paulo. Leia a seguir os principais trechos da entrevista.
SAÍDA DA OSESP
A transição fracassou a partir
do momento em que decidiram
fazer desse jeito [a demissão].
Eu propus a eles uma transição
concertada, comigo, que me
permitisse chegar a 2012, 2013,
procurando com calma um sucessor. Tive diversas reuniões
com o conselho e não consegui
convencê-los.
Houve diversas linhas cruzadas nos últimos anos. A forma
como me dispensaram é indigna. Que você tenha uma alternância, isso não se pode discutir. Está escrito nos estatutos, o
conselho [da Fundação Osesp]
tem o direito de tirar e indicar
quem quiser. Mas [o conselho]
também tem responsabilidades quanto à qualidade da
Osesp.
LIVRO
Meu livro não é um acerto de
contas. Para mim, a Osesp acabou. São fases da vida. Contei o
que aconteceu e tentei descrever os momentos de angústia.
MÚSICA EM SÃO PAULO
Vejo um nítido retrocesso. Até
2006, São Paulo vinha num
crescendo enorme, ganhando
todos os prêmios, gravando,
trazendo nomes de fora. Neste
ano, três teatros fecharam: o
Cultura Artística [após incêndio], o Teatro Municipal e o São
Pedro [para reforma].
CENA MUSICAL
Aquilo que a Osesp conseguiu
deslanchar no Brasil até 2006
piorou significativamente. Há
exceções, como Minas Gerais e
Sergipe. Mas o entusiasmo diminuiu muito. Sobretudo no eixo São Paulo-Rio, onde houve
um retrocesso inimaginável
nos últimos quatro anos. No
Rio, comemoraram o centenário do Teatro Municipal na calçada. Você comemora cem
anos na calçada, em vez de comemorar no teatro?
TEMPORADA 2010 DA OSESP
Acho [o aumento nos ingressos
da Osesp] um absurdo, fico indignado. É uma orquestra do
governo, que criou um patrimônio de 12 mil assinantes com
muito esforço.
Durante anos, lutei para criar
um corpo de assinantes grande,
que vestia a camisa da orquestra. Foram conquistas suadas
para chegar à democratização
do acesso. E isso sem fazer concessões qualitativas.
Pôr esse patrimônio em risco, aumentando em 70% as assinaturas, tratando o assinante
como "cidadão-assinante", um
termo que empregam e que me
lembra o integralismo... Isso é
uma agressão desnecessária ao
assinante, vai custar caro à
Osesp...
PROGRAMAÇÃO 2010
A programação 2010 ainda tem
muitos ecos meus, mas, onde
não tem, acho muito falha. Não
tem música brasileira, que ficou completamente descontemplada. Essa Osesp que está
aí não é mais a minha Osesp,
não é mais o meu projeto. Se vai
dar certo ou não, se foi bom o
que fizeram ou não, só o futuro
dirá. Acho uma grande perda
não ter programação de ópera,
sobretudo no momento em que
não há outra ópera.
TURNÊ 2009 NOS EUA
A turnê que eu havia planejado
previa o Carnegie Hall (em Nova York), Los Angeles, Fort
Lauderdale. Queria tocar em
Las Vegas. Esses concertos já
estavam todos marcados. Não
sei o que aconteceu para serem
desmarcados.
O único que ficou é o de Chicago. Tiraram os pilares da
temporada, o que tira o sentido
da turnê. Custa uma fortuna e
não tem retorno. Ainda mais
com um regente completamente desconhecido, um garoto,
Kazem Abdullah.
NOVA COMPANHIA DE ÓPERA
Ainda não tenho liberdade para
falar. Existe um projeto, espero
que dê certo. Posso dizer que é
uma companhia nova. Uma
ideia minha que estabelece parâmetros que até agora não
existiram no Brasil. Se der certo, é para 2010.
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