São Paulo, Sexta-feira, 10 de Dezembro de 1999 |
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"O BOCA", por Pellegrino "Boca de Ouro, nascido de mãe pândega, parido num reservado de gafieira, tendo perdido o paraíso uterino para defrontar-se com uma realidade hostil e inóspita, sentiu-se condenado à condição de excremento. Seu primeiro berço foi a pia da gafieira, onde a mãe, aberta a torneira, o abandonou num batismo cruel e pagão... "Ele, excremento da mãe, desprezando-se na sua imensa inermidade de rejeitado, incapaz de curar-se dessa ferida inaugural, pretendeu a transmutação das fezes em ouro, isto é, da sua própria humilhação e fraqueza em força e potência. Essa alquimia sublimatória ele a quis realizar através da violência, da embriaguez do poder destrutivo pelo qual chegaria à condição de deus pagão, cego no seu furor, belo e inviolável na pujança de sua fúria desencadeada... "Ao útero materno mau, que o expulsou e o lançou na abjeção, preferiu ele, na sua fantasia onipotente, o caixão de ouro, o novo útero eterno e incorruptível onde, sem morrer, repousaria. Acabou mal esse Boca de Ouro, esse belo sinistro, terrível e ingênuo herói, tão grande e tão miserável na sua revolta contra a condição humana. Ele que, pela violência homicida, pretendeu realizar o sonho da alquimia, de transmutação dos elementos, transformando-se a si próprio em ouro imperecível, acabou lançado à sarjeta, com a cabeça no ralo, crivado de punhaladas, reduzido à matéria vil de que tinha horror..." De "O Boca de Ouro", texto do psicanalista Hélio Pellegrino em "O Jornal", em fevereiro de 1961 Texto Anterior: Teatro: Zé Celso enfrenta Nelson Rodrigues Próximo Texto: "Boca de Ouro" é a tragédia brasileira, diz ator Índice |
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