São Paulo, sábado, 10 de dezembro de 2005

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LIVROS

ROMANCE

Mais recente obra do escritor argentino trata dos atentados a instituições judaicas em Buenos Aires nos anos 90

Com ficções, Aguinis incomoda a história

SYLVIA COLOMBO
EDITORA DO FOLHATEEN

Dois livros sobre a intolerância. O primeiro expõe os horrores da Inquisição, no século 17, o segundo, os do Terror, no final do 20. Ambos se passam na América Latina e nascem da pena do mesmo autor, o argentino Marcos Aguinis, 70. Conhecido pelo best-seller "O Atroz Encanto de Ser Argentinos" (Bei, 2002), um exame sociológico sobre a tão célebre presunção argentina e as razões pelas quais os distúrbios políticos e, principalmente, econômicos moldaram o "espírito" argentino, Aguinis aparece agora no Brasil em sua faceta propriamente literária. "A Saga do Marrano" (1991) e "Assalto ao Paraíso" (2002) são romances históricos que buscam dialogar com os dias de hoje.
O segundo, e mais recente, trata dos atentados contra instituições judaicas -embaixada de Israel e Amia- ocorridos nos anos 90.
De Buenos Aires, Aguinis trocou e-mails com a Folha sobre ambos. Leia trechos da entrevista.

 

Folha - Os dois livros tratam do tema judaico na Argentina. Existe algum diálogo entre eles?
Marcos Aguinis -
Ambos excedem a temática judia, pois referem-se às complexidades humanas e ao fanatismo. "Assalto ao Paraíso" não tem nenhum personagem judeu, ainda que o pano de fundo seja o dos atentados contra instituições judaicas. Já "A Saga do Marrano" é uma condenação a todo tipo de discriminação.

Folha - Você toma emprestadas da realidade algumas coisas, mas adiciona a elas elementos ficcionais. Como maneja esses recursos?
Aguinis -
Em meus romances históricos trato de não falsear os documentos, mas preencher os buracos negros ou aproveitar contradições. Não se deve enganar o leitor colocando a palavra "história" quando se trata de uma invenção. Mas considero legítimo associar os fatos com cenas ou personagens que dêem mais consistência a eles, sem distorcê-los.

Folha - A jornalista de "Assalto ao Paraíso" trabalha em um ambiente de corrupção. Que idéia tem da imprensa argentina hoje?
Aguinis -
A jornalista sofre uma dificuldade dupla, por ser jornalista e por ser mulher. Mas o que a motiva é um acontecimento pessoal intenso. Com relação ao desempenho dos meios de comunicação, devo reconhecer que nem sempre são meritórios e nem sempre condenáveis. Flutuam. No caso Amia, atuaram com interesse e equilíbrio, ainda que tenham vacilado diante do poder.

Folha - A história do garoto que vê sua família ser morta e, por isso, se torna um terrorista é baseada em algum personagem real?
Aguinis -
A história do terrorista responde às exigências da literatura. São descritos sucessivos traumas que terminam por convertê-lo em terrorista. Mas nem todos os terroristas passaram por situações traumáticas, e sim por lavagens cerebrais. O fanatismo não é conseqüência de se haver transitado pela miséria, pois há milhões de excluídos que jamais mataram ninguém e que nos podem dar lições de solidariedade. Num romance, tudo deve ter sentido, até a compulsão de matar inocentes baseado no absurdo de que Deus aprecia esse crime.

Folha - Como vê o modo como o caso Amia vem sendo investigado?
Aguinis -
O atentado contra a Amia e o que o precedeu, contra a embaixada de Israel, permanecem impunes até hoje. E isso é uma vergonha para os argentinos. Agora já não existem dúvidas sobre o fator externo, mas falta definir os atores locais, quem foram os argentinos que participaram com apoio logístico.

Folha - Você publicou agora na Argentina "Qué Hacer?". Pode falar um pouco dele?
Aguinis -
"Qué Hacer?" tem um título leninista, mas é o contrário disso. É a continuação de "O Atroz Encanto de Ser Argentinos", que faz um diagnóstico de nossos vícios. Em "Qué Hacer?" não me refiro ao diagnóstico, mas sim ao tratamento.

Folha - Qual sua opinião sobre o governo Kirchner?
Aguinis -
O presidente Kirchner revelou que é um hábil político, mas não tem fôlego de estadista. Está imerso em problemas conjunturais, mas nunca deu sinais de mirar a médio ou a longo prazo. Temo que vire uma outra frustração argentina. Já sofremos muito, infelizmente. E parece que essa terrível série não terminou.


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