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GUILHERME WISNIK
Intuição trágica e repouso
A arquitetura de Niemeyer
é feita de gestos largos, orientados pela dimensão de um mundo moderno
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GRUDOU na arquitetura de Oscar Niemeyer a imagem de
um hedonismo tropical, de
herança barroca, cuja poética da forma livre foi capaz de se destacar
mundialmente pelo contraste que
propunha em relação à contenção
formal do primeiro modernismo.
Versão alimentada pela própria
mitologia do arquiteto carioca, que
sempre divulgou a idéia de uma inspiração mimética para as curvas que
a sua mão traça com espontaneidade. Tal interpretação, no entanto,
não dá conta do sentido profundo
que há em sua obra, capaz de fazê-la
sobreviver ao tempo como uma das
mais importantes do século 20. Pois
é preciso notar que, para além de
uma facilidade superficial, sua obra
foca o cerne da crise moderna, incorporando o seu princípio trágico
de modo a tornar-se uma poderosa
imagem daquilo que entendemos
por "desencantamento do mundo".
Tomemos alguns dos exemplos
mais caros ao arquiteto, como os palácios de Brasília, a Universidade de
Constantine ou o Memorial da
América Latina. São projetos em
que a individualidade escultórica
dos edifícios radicaliza a sua condição de isolamento, aderindo à linha
do horizonte e reduzindo o espaço
ao plano bidimensional e infinito,
como que visto sempre em elevação.
Vem daí o seu caráter muito pouco urbano, em que o ambiente que
envolve as construções (como num
quadro de De Chirico) se torna uma
imensidão vazia e impenetrável.
Pode-se dizer que, do ponto de
vista espacial, a emergência histórica da modernidade está relacionada
ao colapso do "mundo barroco", à
medida que o impacto da sociedade
de massa vai inviabilizando aquela
fusão coreográfica entre construção
e espaço centrada no humanismo.
Difícil não ver, na arquitetura de
formas fechadas e coladas ao plano
do horizonte, feita por Niemeyer,
uma expressão dessa cisão moderna
(pouco ou nada barroca, por sinal).
Ocorre que, por outro lado, Niemeyer não explicita essa consciência trágica da modernidade através
de um expressionismo formal, daí a
sua originalidade. Ao contrário, os
seus edifícios buscam sempre o repouso junto ao chão, a quietude, sublimando, como mostra Sophia Telles, qualquer idéia de esforço envolvido na busca para se atingir a leveza
da forma. Coerentemente, reveste o
concreto com placas de mármore,
pastilhas ou tinta branca, retirando
da matéria qualquer carga expressiva ou referência à noção de processo, trabalho.
Daí o aspecto "surrealista" e atemporal de lugares como Brasília, que,
para Clarice Lispector, seria o ponto
de encontro improvável entre as
ruínas de uma civilização arcaica e a
visão futurista das crateras da lua.
Sem o recato lusitano, a arquitetura de Niemeyer é feita de gestos largos, orientados pela dimensão de
um mundo moderno que ela soube
muito bem encarnar e inaugurar.
Não apenas como expressão de uma
crise, mas também como a sua problematização, na forma de um paradoxo: a difícil separação entre construção e natureza, indivíduo e coletividade, sublimada a partir da experiência de um país que saltava para a modernidade sobre o vácuo da história.
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