São Paulo, quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

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"Não pode ser circo", afirma diretora

Bia Lessa, diretora artística de Maria Bethânia, considera que estrutura das casas mudou concepção de espetáculos

Para gerente, shows são "opção de entretenimento entre amigos"; já garçom classifica as músicas como "para ouvir" e "para curtir"

DA REPORTAGEM LOCAL

Antigos espetáculos de Maria Bethânia em teatro renderam momentos históricos na cultura brasileira. Montagens como as de "Rosa dos Ventos" (1971), "Drama, Luz da Noite" (1973) ou "A Cena Muda" (1974) ficavam meses em cartaz em um mesmo local.
Muito dessa longevidade se deve às configurações que só o teatro permite. Bia Lessa, diretora da atual turnê de Bethânia, diz que a cultura das grandes casas de shows mudou completamente a relação do público com o artista e com o show.
"Agora, o espetáculo tem que ser montado, realizado e desmontado em um esquema de alta rotatividade. É quase um motel", compara. "É preciso rigor, não pode ser circo. Se há intenção de produzir algo mais delicado, o resultado é quase sempre frustrante."
Jaime Alem, diretor musical dos shows de Bethânia há décadas, é categórico: "Lugar de música -ao menos da música que Bethânia faz- é no teatro".
Ele lembra que as casas de shows juntam em um único dia o público de três ou quatro apresentações em teatro. "Isso gera tumulto", diz. "Só a música sem compromisso com roteiro ou com mensagens pode ser feita em espaços para milhares de pessoas."

Cassino
Marcos Livi, gerente operacional da Via Funchal, diz que existe uma questão cultural no Brasil que pede shows com mesa, cadeira e serviço de bar. "É um padrão mais americano que europeu e encontra paralelo nos grandes shows de cassino."
Para ele, que estipulou a interrupção do serviço durante espetáculos na casa que comanda, a circulação de garçons durante o show é uma agressão.
"O pior é quando o espectador está em êxtase com o artista e chega alguém com uma lanterninha e a conta", diz. "A casa de shows que serve comida e bebida durante o espetáculo não está fazendo suas contas direito. É um serviço que piora a relação do público com o artista, e o lucro não compensa."
Já a direção do HSBC Brasil considera que o público exige esse serviço porque vê na casa de show uma "opção de entretenimento entre amigos, gostando de ser bem atendido e de ter a opção de escolher os itens que lhe agrade no cardápio".
No Credicard Hall e no Citibank Hall, comes e bebes estão liberados durante os shows. Basta levantar o dedo, que o garçom vem à mesa a qualquer momento. A direção de ambas as casas avalia que esse procedimento não prejudica a música: "Na verdade, as configurações são pensadas para gerar conforto para o cliente e ao mesmo tempo não prejudicar a qualidade do espetáculo".

Música para curtir
Alguns artistas, como João Gilberto, Gal Costa e a própria Bethânia, proíbem que o serviço de mesa aconteça durante a apresentação. A restrição é mais frequente ainda entre artistas internacionais.
"A Marisa Monte também não deixava. Mas hoje é diferente. Ela está mais simpática", brinca um garçom do Credicard Hall. "É assim mesmo: tem música que é para ouvir e tem música que é para curtir."
Seja para ouvir ou para dançar, Bia Lessa considera que os espetáculos de música viraram uma coisa "muito desconfortante", principalmente para o artista. "A gente sabe aonde pode chegar, mas o esquema não permite. Vira um exercício de frustração, violência e dor."
Mas há quem acredite que é o artista, e não a estrutura das casas, quem pode prejudicar o espetáculo. A cantora Mariana Aydar faz mea-culpa de quem está no palco: "Se as pessoas estão se distraindo durante o show é porque o cantor não está prendendo a atenção delas." (FERNANDA MENA E MARCUS PRETO)


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