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"Não pode ser circo", afirma diretora
Bia Lessa, diretora artística de Maria Bethânia, considera que estrutura das casas mudou concepção de espetáculos
Para gerente, shows são "opção de entretenimento entre amigos"; já garçom classifica as músicas como "para ouvir" e "para curtir"
DA REPORTAGEM LOCAL
Antigos espetáculos de Maria
Bethânia em teatro renderam
momentos históricos na cultura brasileira. Montagens como
as de "Rosa dos Ventos" (1971),
"Drama, Luz da Noite" (1973)
ou "A Cena Muda" (1974) ficavam meses em cartaz em um
mesmo local.
Muito dessa longevidade se
deve às configurações que só o
teatro permite. Bia Lessa, diretora da atual turnê de Bethânia,
diz que a cultura das grandes
casas de shows mudou completamente a relação do público
com o artista e com o show.
"Agora, o espetáculo tem que
ser montado, realizado e desmontado em um esquema de
alta rotatividade. É quase um
motel", compara. "É preciso rigor, não pode ser circo. Se há
intenção de produzir algo mais
delicado, o resultado é quase
sempre frustrante."
Jaime Alem, diretor musical
dos shows de Bethânia há décadas, é categórico: "Lugar de
música -ao menos da música
que Bethânia faz- é no teatro".
Ele lembra que as casas de
shows juntam em um único dia
o público de três ou quatro
apresentações em teatro. "Isso
gera tumulto", diz. "Só a música
sem compromisso com roteiro
ou com mensagens pode ser
feita em espaços para milhares
de pessoas."
Cassino
Marcos Livi, gerente operacional da Via Funchal, diz que
existe uma questão cultural no
Brasil que pede shows com mesa, cadeira e serviço de bar. "É
um padrão mais americano que
europeu e encontra paralelo
nos grandes shows de cassino."
Para ele, que estipulou a interrupção do serviço durante
espetáculos na casa que comanda, a circulação de garçons
durante o show é uma agressão.
"O pior é quando o espectador está em êxtase com o artista e chega alguém com uma lanterninha e a conta", diz. "A casa
de shows que serve comida e
bebida durante o espetáculo
não está fazendo suas contas
direito. É um serviço que piora
a relação do público com o artista, e o lucro não compensa."
Já a direção do HSBC Brasil
considera que o público exige
esse serviço porque vê na casa
de show uma "opção de entretenimento entre amigos, gostando de ser bem atendido e de
ter a opção de escolher os itens
que lhe agrade no cardápio".
No Credicard Hall e no Citibank Hall, comes e bebes estão
liberados durante os shows.
Basta levantar o dedo, que o
garçom vem à mesa a qualquer
momento. A direção de ambas
as casas avalia que esse procedimento não prejudica a música: "Na verdade, as configurações são pensadas para gerar
conforto para o cliente e ao
mesmo tempo não prejudicar a
qualidade do espetáculo".
Música para curtir
Alguns artistas, como João
Gilberto, Gal Costa e a própria
Bethânia, proíbem que o serviço de mesa aconteça durante a
apresentação. A restrição é
mais frequente ainda entre artistas internacionais.
"A Marisa Monte também
não deixava. Mas hoje é diferente. Ela está mais simpática",
brinca um garçom do Credicard Hall. "É assim mesmo:
tem música que é para ouvir e
tem música que é para curtir."
Seja para ouvir ou para dançar, Bia Lessa considera que os
espetáculos de música viraram
uma coisa "muito desconfortante", principalmente para o
artista. "A gente sabe aonde pode chegar, mas o esquema não
permite. Vira um exercício de
frustração, violência e dor."
Mas há quem acredite que é o
artista, e não a estrutura das casas, quem pode prejudicar o espetáculo. A cantora Mariana
Aydar faz mea-culpa de quem
está no palco: "Se as pessoas estão se distraindo durante o
show é porque o cantor não está prendendo a atenção delas."
(FERNANDA MENA E MARCUS PRETO)
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