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COMIDA
Receitas secretas
Chefs, doceiras e grandes empresas criam estruturas especiais de produção e contratos de sigilo para guardar fórmulas a sete chaves
Paulo Pampolin/Hype/Folha Imagem
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Olivier Anquier, do L’Entrecôte de Ma Tante, tem uma cozinha-laboratório especialmente dedicada ao preparo do molho de sua tia Nicole
LUIZA FECAROTTA
DA REPORTAGEM LOCAL
Em uma das histórias em
quadrinhos de Mauricio de
Sousa, Magali tinha o dom de
identificar os ingredientes de
qualquer receita. Foi então que
cientistas sequestraram a garotinha para que ela desvendasse
a secreta fórmula da Coca-Cola.
A comilona tentou driblar a
situação, mas depois declarou:
açúcar mascavo, pitanga, óleo
de fígado de bacalhau, sal de
frutas, extrato de jiló... Tudo
mentira. E a fórmula desse refrigerante, que surgiu em 1886
em uma farmácia em Atlanta
(EUA), permaneceu o segredo
industrial mais bem guardado
do mundo -mesmo presente
em mais de 200 países.
Na semana passada, uma
ação que envolvia cópia de receitas foi resolvida no Tribunal
de Justiça de São Paulo. O restaurante Antiquarius acusou o
A Bela Sintra, dois famosos lusitanos da cidade, por plágio de
pratos. Em resposta, o tribunal
decidiu que não existe propriedade intelectual de receitas de
culinária típica, consideradas
de domínio público.
Talvez por medo de cópias
guardar receitas a sete chaves
tenha virado mania. E como
mantê-las escondidas? A Bauducco, que pretende bater recorde de vendas neste ano e
atingir a marca de 50 milhões
panetones, tem rígida política
de privacidade para resguardar
a fórmula do bolo natalino.
"A massa madre foi trazida
da Itália pelo fundador da marca, em 1952", diz Rodrigo Mainieri, 32, gerente de marketing.
Desde então, é o mesmo processo de fermentação natural
que dá origem aos panetones.
"Cada fábrica tem uma sala
dos bebês, onde ficam as massas que são alimentadas e se
multiplicam durante o ano.
Quando cresce, a massa é cortada e separada para entrar no
processo industrial."
Todos os funcionários envolvidos na produção têm um termo de privacidade assinado
com a companhia. Mas quem
de fato tem acesso à receita é
um grupo pequeno.
Existe a possibilidade de a receita sair dos domínios da Bauducco? "Sempre existe, mas a
questão que fica é: não basta ter
a informação, tem de saber fazer. Até hoje, o senhor Bauducco faz provas na linha de produção para testar a qualidade do
que está sendo feito."
Em empresas menores, o
procedimento é semelhante.
Celina Dias, que trouxe O Melhor Bolo de Chocolate do
Mundo ao Brasil, não arreda pé:
todos os dias comparece à cozinha central.
Somente os três sócios sabem como fazer o bolo, criado
há 20 anos em Lisboa. "Nenhum funcionário conhece a
receita inteira. Cada um sabe
uma etapa da produção e todos
têm um contrato de sigilo",
afirma Celina. O processo de
produção é segmentado, dividido em salas diferentes, para
que a fórmula do doce se mantenha em segredo.
De uma cozinha centralizada, com capacidade para produzir 600 bolos por dia, saem
os doces distribuídos para as
franquias, que estão em expansão. A marca acaba de abrir um
quiosque no shopping Higienópolis, ganhou um ponto de revenda em Recife e deve chegar,
em breve, ao Rio de Janeiro, a
Belo Horizonte, a Salvador e a
Brasília.
No L'Entrecôte de Ma Tante,
primeiro restaurante do padeiro Olivier Anquier, que serve
apenas um prato, o segredo é o
molho da carne. "Nosso menu
tem um preparo simples. O que
ninguém sabe fazer é o molho
da minha tia Nicole. Fiquei em
Paris trancafiado na cozinha
dela para aprender a reproduzir", conta Anquier. "São mais
de 30 ingredientes. Só posso falar duas coisas: não tem farinha
nem creme de leite."
Na tentativa de fazer da casa-mãe um modelo para outras
unidades, Olivier se preparou
para resguardar a receita de família, que "nunca vai ser transmitida a ninguém, a não ser ao
meu filho", diz ele. Montou
uma cozinha-laboratório dedicada ao preparo do molho, cuja
fórmula secreta só ele e um de
seus sócios conhecem.
É de lá que o complemento
do entrecôte deve sair para as
demais casas. Segundo Anquier, a técnica de armazenamento ainda está sendo desenvolvida e, só depois, a casa poderá ganhar outras unidades.
Empresa familiar
Renata Saboia, dona da sorveteria carioca Mil Frutas ao lado de suas duas filhas, tem a
mesma preocupação: manter a
qualidade e o sigilo das receitas
de seus gelados. Para isso, sua
produção também está concentrada em uma pequena fábrica
no Rio e abastece oito lojas por
lá e duas em São Paulo.
"Acabamos de abrir uma no
shopping Iguatemi, e a ideia é
continuar mandando sorvetes
a São Paulo. Mas nada me impede de, no futuro, fazer uma
pequena fábrica aí", conta.
Para driblar o problema das
cópias, que a deixa "revoltada",
abre suas receitas a apenas três
funcionários de sua confiança.
Outro artifício é a alteração
constante no processo de produção para sempre tornar os
resultados melhores. Mais especiais são as receitas de família: "Temos um sorvete de pavê
de chocolate que está na família
há mais de 150 anos. Veio da
França e minha bisavó já fazia".
Folha Online
Leia "A Decifradora de Sabores", de Mauricio de Sousa, em
www.folha.com.br/0933713
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