São Paulo, quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

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COMIDA

Receitas secretas

Chefs, doceiras e grandes empresas criam estruturas especiais de produção e contratos de sigilo para guardar fórmulas a sete chaves

Paulo Pampolin/Hype/Folha Imagem
Olivier Anquier, do L’Entrecôte de Ma Tante, tem uma cozinha-laboratório especialmente dedicada ao preparo do molho de sua tia Nicole

LUIZA FECAROTTA
DA REPORTAGEM LOCAL

Em uma das histórias em quadrinhos de Mauricio de Sousa, Magali tinha o dom de identificar os ingredientes de qualquer receita. Foi então que cientistas sequestraram a garotinha para que ela desvendasse a secreta fórmula da Coca-Cola.
A comilona tentou driblar a situação, mas depois declarou: açúcar mascavo, pitanga, óleo de fígado de bacalhau, sal de frutas, extrato de jiló... Tudo mentira. E a fórmula desse refrigerante, que surgiu em 1886 em uma farmácia em Atlanta (EUA), permaneceu o segredo industrial mais bem guardado do mundo -mesmo presente em mais de 200 países.
Na semana passada, uma ação que envolvia cópia de receitas foi resolvida no Tribunal de Justiça de São Paulo. O restaurante Antiquarius acusou o A Bela Sintra, dois famosos lusitanos da cidade, por plágio de pratos. Em resposta, o tribunal decidiu que não existe propriedade intelectual de receitas de culinária típica, consideradas de domínio público.
Talvez por medo de cópias guardar receitas a sete chaves tenha virado mania. E como mantê-las escondidas? A Bauducco, que pretende bater recorde de vendas neste ano e atingir a marca de 50 milhões panetones, tem rígida política de privacidade para resguardar a fórmula do bolo natalino.
"A massa madre foi trazida da Itália pelo fundador da marca, em 1952", diz Rodrigo Mainieri, 32, gerente de marketing. Desde então, é o mesmo processo de fermentação natural que dá origem aos panetones.
"Cada fábrica tem uma sala dos bebês, onde ficam as massas que são alimentadas e se multiplicam durante o ano. Quando cresce, a massa é cortada e separada para entrar no processo industrial."
Todos os funcionários envolvidos na produção têm um termo de privacidade assinado com a companhia. Mas quem de fato tem acesso à receita é um grupo pequeno.
Existe a possibilidade de a receita sair dos domínios da Bauducco? "Sempre existe, mas a questão que fica é: não basta ter a informação, tem de saber fazer. Até hoje, o senhor Bauducco faz provas na linha de produção para testar a qualidade do que está sendo feito."
Em empresas menores, o procedimento é semelhante. Celina Dias, que trouxe O Melhor Bolo de Chocolate do Mundo ao Brasil, não arreda pé: todos os dias comparece à cozinha central.
Somente os três sócios sabem como fazer o bolo, criado há 20 anos em Lisboa. "Nenhum funcionário conhece a receita inteira. Cada um sabe uma etapa da produção e todos têm um contrato de sigilo", afirma Celina. O processo de produção é segmentado, dividido em salas diferentes, para que a fórmula do doce se mantenha em segredo.
De uma cozinha centralizada, com capacidade para produzir 600 bolos por dia, saem os doces distribuídos para as franquias, que estão em expansão. A marca acaba de abrir um quiosque no shopping Higienópolis, ganhou um ponto de revenda em Recife e deve chegar, em breve, ao Rio de Janeiro, a Belo Horizonte, a Salvador e a Brasília.
No L'Entrecôte de Ma Tante, primeiro restaurante do padeiro Olivier Anquier, que serve apenas um prato, o segredo é o molho da carne. "Nosso menu tem um preparo simples. O que ninguém sabe fazer é o molho da minha tia Nicole. Fiquei em Paris trancafiado na cozinha dela para aprender a reproduzir", conta Anquier. "São mais de 30 ingredientes. Só posso falar duas coisas: não tem farinha nem creme de leite."
Na tentativa de fazer da casa-mãe um modelo para outras unidades, Olivier se preparou para resguardar a receita de família, que "nunca vai ser transmitida a ninguém, a não ser ao meu filho", diz ele. Montou uma cozinha-laboratório dedicada ao preparo do molho, cuja fórmula secreta só ele e um de seus sócios conhecem.
É de lá que o complemento do entrecôte deve sair para as demais casas. Segundo Anquier, a técnica de armazenamento ainda está sendo desenvolvida e, só depois, a casa poderá ganhar outras unidades.

Empresa familiar
Renata Saboia, dona da sorveteria carioca Mil Frutas ao lado de suas duas filhas, tem a mesma preocupação: manter a qualidade e o sigilo das receitas de seus gelados. Para isso, sua produção também está concentrada em uma pequena fábrica no Rio e abastece oito lojas por lá e duas em São Paulo.
"Acabamos de abrir uma no shopping Iguatemi, e a ideia é continuar mandando sorvetes a São Paulo. Mas nada me impede de, no futuro, fazer uma pequena fábrica aí", conta.
Para driblar o problema das cópias, que a deixa "revoltada", abre suas receitas a apenas três funcionários de sua confiança. Outro artifício é a alteração constante no processo de produção para sempre tornar os resultados melhores. Mais especiais são as receitas de família: "Temos um sorvete de pavê de chocolate que está na família há mais de 150 anos. Veio da França e minha bisavó já fazia".


Folha Online
Leia "A Decifradora de Sabores", de Mauricio de Sousa, em
www.folha.com.br/0933713




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