São Paulo, sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

OPINIÃO ARQUITETURA

Quem vai construir o último Niemeyer?

Novos projetos são caricaturais, mas ajudam arquiteto a se manter vivo

FERNANDO SERAPIÃO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Durante inacreditáveis sete décadas e meia de vida profissional, Oscar Niemeyer trabalhou constantemente para o governo, de esquerda ou de direita. Nunca misturou honorários e ideologia.
Contudo, há 30 anos, as encomendas aceleram mais do que sua idade. Ele trabalha a todo o vapor, com um novo projeto por semana.
Tudo seriam rosas se essas encomendas fossem sérias. Não são. Seus projetos são usados como peças publicitárias por políticos.
Mesmo que a última fase de sua carreira seja a mais irrelevante -um projetista quase caricatural do que foi no passado-, as novas obras rendem páginas de mídia espontânea desde o contrato.
Por outro lado, uma obra pública de Niemeyer descarta a licitação de projeto: ele é contratado por notório saber, o que facilita a burocracia pública, pautada de quatro em quatro anos.
Poucos sabem, mas os arquitetos são escolhidos por uma concorrência de menor preço, como se fossem um lote de vassouras ou chuchu.
Como pode um país entender sua arquitetura como manifestação cultural se desenhos de centros culturais, estádios de futebol ou aeroportos são escolhidos pelo menor preço? Alguém em busca de qualidade seleciona um filme ou um livro pelo menor preço? Por isso o Instituto de Arquitetos do Brasil defende os concursos públicos, em que um júri escolhe o projeto mais adequado.
Diante destes Niemeyer desocupados, o mais cruel e que evidencia a má-fé é que só existia dinheiro para a construção: inaugura-se sem uma proposta de gestão e a administração posterior dá as costas para o espaço. Parece que estamos diante de uma "farra Niemeyer".
Imagino que isso vá tão longe que, após sua morte, surgirão dezenas de edifícios novos e especialistas serão chamados para conferir a autenticidade da obra. Quem não quer o último Niemeyer?
Tudo isso é muito triste, um crime contra o erário e um desrespeito com a trajetória dessa lenda brasileira.
Só estaria a salvo se ouvisse os amigos que suplicam para ele parar. O paradoxo é que os projetos de má qualidade, ao mesmo tempo em que mancham sua biografia, o ajudam a se manter vivo.

FERNANDO SERAPIÃO é crítico de arquitetura e editor da revista "Projeto Design"


Texto Anterior: Frase
Próximo Texto: Foco: Aos 102 anos, arquiteto se lança em carreira musical
Índice | Comunicar Erros



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.