São Paulo, quinta-feira, 11 de janeiro de 2007

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Loucademia de roteiros

Com "Mais Estranho que a Ficção", que estréia amanhã, Zach Helm se junta a Charlie Kaufman na escola de scripts absurdos

Divulgação
Will Ferrell vive Harold Crick, personagem em busca de seu autor, que pretende matá-lo


EDUARDO SIMÕES
DA REPORTAGEM LOCAL

No lançamento de "Mais Estranho que a Ficção", durante o Festival de Toronto, em setembro do ano passado, Emma Thompson e Dustin Hoffman defenderam que o filme tinha um "roteiro brilhante" e que "não há muitos como esse em Hollywood". A crítica também elogiou, ressaltando que o filme era uma espécie de Charlie Kaufman "mais palatável".
Dirigido por Marc Forster ("Em Busca da Terra do Nunca") e escrito pelo novato Zach Helm, 31, o longa pertence, de fato, à escola de filmes em que os roteiros fantásticos, às vezes confusos, sempre absurdos, são as estrelas. E dos quais "Quero Ser John Malkovich", "Adaptação", "Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças", todos de Kaufman, são exemplos.
"Acho que filmes como "O Show de Truman", e até mesmo alguns mais antigos de Woody Allen, como "Noivo Neurótico, Noiva Nervosa", anteciparam isso, tornando roteiros assim mais fáceis de produzir", disse Forster à Folha, em Toronto.
"Mas Charlie Kaufman levou isso para outro nível, com histórias realmente diferentes. É importante que ele tenha tido essa força."

Pirandelliano
Em "Mais Estranho que a Ficção" (mesmo título de uma canção da banda Bad Religion), Helm e Forster contam a história de Harold Crick (Will Ferrell), auditor da Receita Federal cuja vida medíocre é regrada pelo seu relógio de pulso e que percebe que seu dia-a-dia está sendo narrado. E mais: a narradora existe, chama-se Karen Eiffel (Thompson) e é uma escritora com bloqueio criativo, que planeja por termo à vida de seu personagem principal, Crick. Só não sabe ainda como.
O roteiro pirandelliano, com um personagem de carne e osso à procura de seu autor idem, se tornou "hype" em Hollywood, segundo Dustin Hoffman, que no filme vive Jules Hilbert, professor de literatura. O personagem faz as vezes de terapeuta de Crick, substituindo Freud por teoria literária, e o aconselha a mudar sua história de tragédia para comédia.
"Na indústria cinematodgráfica americana não se ouve tanto alguém perguntar "Você já leu tal roteiro?", que foi o caso de Zach, e sim "Você já viu tal filme?". Não há muitos roteiros como esse em Hollywood.
[Zach] é jovem e talentoso", elogiou o ator, que acaba de ser dirigido por Helm em "Mr. Magorium's Wonder Emporium", outra comédia fantástica do "prodígio".
Forster não embarcou na produção por conta do "hype", disse ele. O diretor estava à procura de uma comédia havia três anos quando foi convidado para dar a sua visão da trama. "Alguns diretores de comédia viram a história como um drama, e diretores de drama, como uma comédia. Eu achei o texto engraçado, hilário. Lindsay [Doran, produtora do filme] e Zach concordaram com a minha visão, então aceitei."
Emma Thompson vive a escritora de romances trágicos, autodestrutiva, que tem o destino de Crick nas mãos. Autora dos roteiros de "Nanny McPhee - A Babá Encantada" e "Razão e Sensibilidade", pelo qual recebeu o Oscar em 1996, a atriz recebeu de Lindsay Doran o convite para fazer o filme. A produtora achava que Thompson tinha a voz perfeita para narrar o drama de Crick.
"Eu li as duas primeiras páginas e falei: "Vou fazer". O jeito que Karen fala é igual ao meu, tem as mesmas inflexões. E fiquei me perguntando por que não havia roteiros assim na Inglaterra. Eu queria estar a serviço daquele texto", contou a atriz, dizendo-se inspirada a escrever um roteiro original após ler o script de Helm.
Também autor de peças de teatro, Helm trabalhou durante anos como "script doctor", um roteirista contratado pelos estúdios para fazer ajustes em textos alheios. Trabalho que ele considera uma excelente escola. Mas que ele não gostaria de ver sendo feito com seu roteiro.
"O objetivo era aprender, até que eu decidisse ser corajoso e fazer meu próprio roteiro", disse Helm, que evitou "vender" seu texto a estúdios. "Não queria que minha história servisse de base para outro filme. Os estúdios teriam feito outro. Queria alguém que visse aquela história como ela é. E Marc foi muito fiel ao texto."

Ferrell
A escolha de Will Ferrell para o papel principal de "Mais Estranho" lembra a opção por outro comediante, Jim Carrey, para protagonizar outro filme de roteiro da escola "mirabolante": "O Show de Truman". Apesar de ser mais conhecido, como Carrey, por comédias rasas, como "Dias Incríveis" e "Um Duende em Nova York", Forster não achou que, ao escalá-lo, havia risco de confundir o público.
"Ele tinha as qualidades que procurava em Harold Crick. Algo cômico, mas algo dramático também, na sua timidez. Não acredito que os fãs dele venham a se decepcionar porque é uma comédia, não é um drama. E quem não é fã com sorte vai passar a ser, porque verá que ele realmente pode atuar bem."

O jornalista EDUARDO SIMÕES viajou ao Festival de Toronto a convite do Consulado do Canadá em São Paulo

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