São Paulo, domingo, 11 de janeiro de 2009

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Filme mostra 'julgamento' de Nixon

"Frost/Nixon" recria entrevista em que o ex-presidente americano reconhece ter "decepcionado o povo americano'

Conversa com apresentador de programas populares de TV rendeu ao republicano volumoso cachê, que incluiu 10% dos lucros de publicidade

Divulgação
Em cena do filme, Frost (à esq.), interpretado por Michael Sheen, durante as gravações da entrevista com Nixon (Frank Langella)

DANIEL BERGAMASCO
DA REPORTAGEM LOCAL

Em "Frost/Nixon", uma das pessoas que ajudam a preparar o apresentador de TV David Frost para a entrevista com Richard Nixon -a primeira concedida após sua renúncia, três anos antes- diz que a sabatina precisa ser contundente a ponto de se tornar "o julgamento" que o presidente dos EUA nunca tivera pelas acusações do escândalo Watergate.
Como mostra o filme de Ron Howard (o mesmo diretor de"Mente Brilhante"), que estreia no Brasil em 20/2, a entrevista célebre de 1977 acabou desempenhando esse papel simbólico, levando um Nixon (1913-1994) exaltado a confirmar a espionagem no comitê do Partido Democrata com escutas ilegais. Uma frase entrou para o folclore americano: "Se o presidente faz, então não é ilegal".
A encenação do pingue-pongue entre Nixon e Frost, com seus bastidores, já havia feito sucesso no teatro. O autor, Peter Morgan ("A Rainha"), assina também o roteiro do longa, que emplacou cinco indicações ao Globo de Ouro: filme, diretor, roteiro, ator dramático para Frank Langella (que vive Nixon) e trilha.
Na elogiada versão cinematográfica, a entrevista que serviu como "julgamento" para Nixon levanta outro questionamento nos EUA: estaria levando o ex-presidente à segunda instância, com possível redenção por mostrar seu lado mais humano, em conflito entre a inteligência brilhante e a tendência autodestrutiva?
E isso quando um presidente envolvido em crise econômica e guerra impopular está deixando a Casa Branca?
O roteirista titubeia. "Se me preocupo que o público tenha compaixão por um homem autodestrutivo, solitário, perdido? Não sei. Pessoas diferentes terão reações diferentes. Mas o filme não redime ninguém", diz Morgan, que viu indagações semelhantes no longa sobre a rainha Elizabeth 2ª.
"Eu nunca esperava que pessoas saíssem de "A Rainha" tocadas por ela. Ficamos constrangidos, para ser honesto, com aquele grande entusiasmo sobre a monarquia. Mas não acho que isso acontecerá da mesma maneira, não haverá congestionamento de pessoas se filiando ao Partido Republicano. O filme mostra que, com toda sua humanidade, o legado de Nixon ainda é criminoso", disse, em mesa redonda em Nova York, com a Folha e mais cinco jornais, em novembro.
O efeito George W. Bush, diz ele, tem mais força na revisão dessa imagem. "A atual administração está fazendo um grande trabalho de reabilitar Richard Nixon, que está sendo substituído como o presidente mais odiado de todos os tempos. Agora, ele é apenas o número dois no ranking [risos]."

Cachê
Frost (vivido no filme pelo ator por Michael Sheen), notório jet-setter inglês rodeado de mulheres, grifes e fama como apresentador de programas populares de TV, pagou pela exclusividade da entrevista. Garantiu a Nixon US$ 600 mil (US$ 3 mi nos valores de hoje, no cálculo do diretor, ou R$ 6,7 mi), mais 10% dos lucros de publicidade.
Era um cachê generoso para enfrentar um entrevistador que se supunha fraco e fútil, o que justifica o choque quando Frost consegue extrair de Nixon frases que ele não parecia ter planejado dizer, como "decepcionei o povo americano".
O filme especula sobre as motivações do ex-presidente para desabafar, mas, para Howard, não há na obra nenhuma revisão sobre a figura histórica do republicano, que entrou no Salão Oval da Casa Branca em 1969, foi reeleito e renunciou em 1974.
"A simpatia por um personagem não muda sua imagem histórica, algo que passa por um entendimento mais completo. Nixon era um visionário formidável, mas destruído por suas emoções conturbadas. Não parecia confortável sob a própria pele", diz Morgan.

Nixon compositor
A família de Nixon demonstrou-se interessada pelo projeto do filme. Os herdeiros concederam entrevistas na fase de pesquisa e autorizaram o uso de uma canção composta pelo ex-presidente ao piano.
Apesar de ter entrevistado seis dezenas de pessoas entre a criação da peça e do filme, em especial membros das equipes de assessores de Nixon e Frost, que rodearam a entrevista, Peter Morgan se deu a liberdade de inventar algumas cenas.
Na principal delas, na véspera do último dia de gravações, Nixon telefona bêbado para Frost e o desafia a ser mais mordaz. Não há relatos de que isso tenha acontecido, mas o roteirista se baseou nos testemunhos de que Nixon, quando em final de mandato, telefonava embriagado para pessoas e depois se esquecia de que o fizera, sob efeito da mistura com moderadores de humor.
"Era algo que ele faria. Pensei que, mesmo que isso não tenha acontecido, dramaturgicamente seria responsável."


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