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Uma história de amor e censura
Radicado nos
EUA após ter
obras proibidas
em seu país, o
iraniano Shahriar
Mandanipour
utiliza bom
humor e
criatividade para
criticar a censura
no romance
"Quando o Irã
Censura uma
História de Amor"
7.dez.2009/Associated Press
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Estudantes em protesto contra o presidente iraniano Mahmoud Ahmadinejad
MARCOS STRECKER
DA REPORTAGEM LOCAL
O iraniano Shahriar Mandanipour, 52, é uma testemunha
privilegiada das transformações em seu país. Acompanhou
a Revolução Islâmica de 1979,
lutou na Guerra Irã-Iraque
(1980-88) e decidiu se tornar
escritor após o conflito. Aí começaram os problemas. Depois
dos dois primeiros livros, passou por uma longa jornada para
vencer a censura, que só acabou
parcialmente em 1997.
Com a decepção, o escritor
esperou uma boa oportunidade
para deixar o país. Ela veio em
2006, quando recebeu um convite para um período acadêmico nos EUA. Ele se radicou no
país e o resultado é o elogiado
romance "Quando o Irã Censura uma História de Amor", que
agora chega ao Brasil.
Criativo, fluente e bem-humorado, o livro é uma reflexão
sobre a criação artística sob a
censura. Ao mesmo tempo em
que uma história de amor envolve dois jovens, o autor traça
um painel da sociedade iraniana. O que é "censurado" permanece riscado no texto, num jogo
narrativo com múltiplos autores, incluindo o censor.
Uma das discussões na obra é
sobre o premiado cinema iraniano. De certa forma, o livro é
uma versão literária desse mesmo cinema, que embaralha a
realidade com o jogo da criação
ficcional. Como a entrevista a
seguir demonstra, Mandanipour tem uma visão amarga sobre a forma como o regime de
seu país se apropriou desse sucesso. Mas ele se mostra otimista e diz que a censura acaba
inspirando os escritores.
FOLHA - O cinema iraniano conseguiu, com diretores como Abbas
Kiarostami, obter reconhecimento
internacional evitando os temas políticos. Esse é um bom caminho?
SHAHRIAR MANDANIPOUR - O cinema iraniano foi bem recebido
no mundo porque a linguagem
das imagens é universal, diferentemente da linguagem literária. Os ditadores querem
mostrar ao mundo que os artistas podem se expressar livremente. Ao mesmo tempo em
que proíbem um livro que fala
sobre amor e liberdade e não
tem tiragem maior do que 3 mil
exemplares, permitem que um
cineasta faça um filme artístico
inofensivo, que usam para decorar a vitrine de seus regimes.
Os intelectuais veem as mensagens ocultas que desejam.
FOLHA - Até que ponto é possível
criar uma obra artística de qualidade
sob censura?
MANDANIPOUR - É uma questão
difícil. Meu primeiro impulso é
dizer que a censura esmaga e
destrói a arte. Mas a arte de alguma forma encontra sua janela para o mundo. Não há diferença, por exemplo, entre um
escritor como Scott Fitzgerald,
cujas obras evocavam a era do
jazz, e um autor iraniano que
escreve sobre um prisioneiro
utilizando código morse em sua
cela para se comunicar com o
vizinho. O importante é sua habilidade como artista. Ao contrário do que desejariam, os
censores inspiram os artistas.
Claro, não quero dizer que a
censura ajuda a arte. A arte censurada é sempre miserável,
mesmo sendo bela. Mas nessa
miséria a arte se torna bonita
para os que vivem sob o jugo da
censura. É um paradoxo.
FOLHA - Os protestos no Irã contra
o atual governo, que ganham dimensão cada vez maior, levarão o
país a uma sociedade democrática?
MANDANIPOUR - O Irã é um país
estranho. Veja no mapa: parece
um gato sentado. Lembre-se
que um dos felinos mais bonitos do mundo é o gato persa.
Com essas palavras, você pode
imaginar como um escritor iraniano usa alegorias e metáforas
para dizer que ele está confiante no futuro e dizer que uma janela para a liberdade e a paz no
mundo vai se abrir no seu país.
O gato sentado um dia vai se levantar e caçar o rato despótico.
FOLHA - Em seu livro você se dirige
aos personagens e embaralha a narrativa do autor com a do censor.
Também utiliza referências literárias. O jogo narrativo e o uso da metaficção foi intencional?
MANDANIPOUR - O Irã tem grande tradição na arte de contar
histórias. Assim como me aproprio dessa literatura, também
aprendi muito com a literatura
do Ocidente. Ainda tenho as
raízes da metaficção em minha
própria cultura.
FOLHA - Os seus personagens encontram-se durante um protesto na
Universidade de Teerã. Até que ponto são inspirados em "Khosrow e
Shirin" [história persa do século 12]?
MANDANIPOUR - A inspiração
são todos os meninos e meninas iranianas que, em 2010, não
podem se apaixonar, nem andar livremente juntos ou conversar nas ruas. "Khosrow e
Shirin" é uma narrativa sobre o
amor, muito bonita e interessante; mais interessante que
"Romeu e Julieta". Mas hoje os
jovens não pensam nessa história. Seu problema, infelizmente, é saber como, quando e onde
poderão viver uma bela e romântica cena de amor. Só isso.
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