|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Crítica/"Quando o Irã Censura uma História de Amor"
Romance iraniano é repleto de humor ingênuo e comovente
Narrador da história faz uso de hipérboles e metáforas para burlar censores
JOCA REINERS TERRON
ESPECIAL PARA A FOLHA
Conhece aquele ditado
que diz que namorar
escondido é mais gostoso? Pois quem concorda com
isso deveria experimentar isso
no Irã ou então ler "Quando o
Irã Censura Uma História de
Amor", do iraniano Shahriar
Mandanipour. Driblar sogros
ciumentos não parece ser a
mesma coisa que fugir ao empate amoroso imposto pelo
mulá e por seu estado islâmico.
Mas sempre existe o humor
negro para amenizar a dor de
todos. O romance de Mandanipour, escrito em farsi e sua primeira obra traduzida no Ocidente, é paliativo dos mais eficazes. Refletindo sobre o uso da
metáfora no discurso amoroso
da tradição poética persa, o
narrador (um escritor também
chamado Shahriar Mandanipour que procura escrever uma
história de amor) busca aplicar
o recurso literário para burlar a
censura fundamentalista.
Assim, dando outros nomes
às vacas, divaga acerca das diferentes formas minerais que a
erotização do corpo feminino
pode tomar. E olhos viram opalas e dentes se transformam em
rubis etc. Com o uso de recursos tipográficos, Mandanipour
e seu alter ego tacham as frases
que são censuradas, contrapondo-as (afinal, mesmo tachadas permanecem legíveis)
com suas versões mascaradas,
escancarando a hipocrisia.
Há momentos, porém, em
que ele se utiliza de imagens literárias com certo frescor, como quando Dara vislumbra
duas veias cerúleas que sobem
dos tornozelos da amada Sara
(as únicas partes visíveis de seu
corpo), desaparecendo túnica
acima. Dara então compara as
veias ao Tigre e ao Eufrates e
imagina a vegetação cerrada
que nasce entre os rios...
Reticências são fundamentais nesse livro irônico: repleta
de digressões que abordam a situação política do Irã atual (não
à toa Dara e Sara se conhecem
numa manifestação), a história
dos dois amantes é permeada
pela conversa que o escritor
Mandanipour mantém com o
leitor, procurando ilustrá-lo
sobre idas e vindas ocorridas no
país dos persas.
A crítica internacional não
deixou de comparar o livro às
sexualizadas fábulas políticas
de Milan Kundera, mas não
deixa de ser evidente seu aspecto complementar com "Persépolis", de Marjane Satrapi, na
busca de retratar a sociedade
iraniana e seus dilemas posteriores ao golpe de 1979.
A censura ditada pelo Sr. Petrovich leva o autor a considerar sua empreitada, imaginando quanto petróleo precisaria
ser extraído "das entranhas de
minha pátria e vendido e seus
petrodólares serem enviados
para o Brasil para a compra de
papel, e quantas árvores precisam ser sacrificadas no Brasil
para produzir todo esse papel".
Hiperbólico, o romance de
Mandanipour é repleto desse
humor ingênuo e comovente.
JOCA REINERS TERRON é autor de "Sonho Interrompido por Guilhotina" (Casa da Palavra)
QUANDO O IRÃ CENSURA UMA
HISTÓRIA DE AMOR
Autor: Shahriar Mandanipour
Tradução: Marcos Maffei
Editora: Record
Quanto: R$ 49,90 (378 págs.)
Avaliação: bom
Texto Anterior: Frase Próximo Texto: Michael Jackson: Médico contrata advogado de Britney Índice
|