São Paulo, segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

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Crítica/"Quando o Irã Censura uma História de Amor"

Romance iraniano é repleto de humor ingênuo e comovente

Narrador da história faz uso de hipérboles e metáforas para burlar censores

JOCA REINERS TERRON
ESPECIAL PARA A FOLHA

Conhece aquele ditado que diz que namorar escondido é mais gostoso? Pois quem concorda com isso deveria experimentar isso no Irã ou então ler "Quando o Irã Censura Uma História de Amor", do iraniano Shahriar Mandanipour. Driblar sogros ciumentos não parece ser a mesma coisa que fugir ao empate amoroso imposto pelo mulá e por seu estado islâmico.
Mas sempre existe o humor negro para amenizar a dor de todos. O romance de Mandanipour, escrito em farsi e sua primeira obra traduzida no Ocidente, é paliativo dos mais eficazes. Refletindo sobre o uso da metáfora no discurso amoroso da tradição poética persa, o narrador (um escritor também chamado Shahriar Mandanipour que procura escrever uma história de amor) busca aplicar o recurso literário para burlar a censura fundamentalista.
Assim, dando outros nomes às vacas, divaga acerca das diferentes formas minerais que a erotização do corpo feminino pode tomar. E olhos viram opalas e dentes se transformam em rubis etc. Com o uso de recursos tipográficos, Mandanipour e seu alter ego tacham as frases que são censuradas, contrapondo-as (afinal, mesmo tachadas permanecem legíveis) com suas versões mascaradas, escancarando a hipocrisia.
Há momentos, porém, em que ele se utiliza de imagens literárias com certo frescor, como quando Dara vislumbra duas veias cerúleas que sobem dos tornozelos da amada Sara (as únicas partes visíveis de seu corpo), desaparecendo túnica acima. Dara então compara as veias ao Tigre e ao Eufrates e imagina a vegetação cerrada que nasce entre os rios...
Reticências são fundamentais nesse livro irônico: repleta de digressões que abordam a situação política do Irã atual (não à toa Dara e Sara se conhecem numa manifestação), a história dos dois amantes é permeada pela conversa que o escritor Mandanipour mantém com o leitor, procurando ilustrá-lo sobre idas e vindas ocorridas no país dos persas.
A crítica internacional não deixou de comparar o livro às sexualizadas fábulas políticas de Milan Kundera, mas não deixa de ser evidente seu aspecto complementar com "Persépolis", de Marjane Satrapi, na busca de retratar a sociedade iraniana e seus dilemas posteriores ao golpe de 1979. A censura ditada pelo Sr. Petrovich leva o autor a considerar sua empreitada, imaginando quanto petróleo precisaria ser extraído "das entranhas de minha pátria e vendido e seus petrodólares serem enviados para o Brasil para a compra de papel, e quantas árvores precisam ser sacrificadas no Brasil para produzir todo esse papel".
Hiperbólico, o romance de Mandanipour é repleto desse humor ingênuo e comovente.


JOCA REINERS TERRON é autor de "Sonho Interrompido por Guilhotina" (Casa da Palavra)

QUANDO O IRÃ CENSURA UMA HISTÓRIA DE AMOR

Autor: Shahriar Mandanipour
Tradução: Marcos Maffei
Editora: Record
Quanto: R$ 49,90 (378 págs.)
Avaliação: bom


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