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Crítica/"Dalva e Herivelto"
Série traduz casal tumultuoso
Adaptação não cai na tentação de ser didática demais, mas algumas licenças poéticas incomodaram
LIRA NETO
ESPECIAL PARA A FOLHA
No último capítulo da
microssérie "Dalva e
Herivelto", levada ao
ar pela Globo na semana passada, o rancoroso Herivelto Martins, na praia, sozinho, chora
em silêncio a morte de Dalva de
Oliveira, depois de ter se recusado a visitá-la em seus últimos
momentos de vida no hospital.
Pois é. Os canalhas também
choram, alerta-nos Maria Adelaide Amaral.
A trajetória tumultuosa do
mais importante casal da história da música popular brasileira
foi narrada em ritmo vertiginoso, dada a exiguidade do tempo.
Cinco capítulos foi pouco. A vida de Dalva e Herivelto -que
renderia pelo menos o dobro de
capítulos, como no caso de
Maysa, também retratada em
minissérie da Globo no ano
passado- foi um folhetim de
verdade, com todos os ingredientes típicos de um drama
rodrigueano, recheado de lágrimas, intrigas e traições conjugais. Um roteiro frouxo e uma
direção vacilante poderiam ter
transformado isso tudo em
descabelado dramalhão mexicano. Não foi o que se viu.
Maria Adelaide e Dennis
Carvalho souberam conduzir a
trama e transformar o tempo
curto a seu favor. A narrativa
ágil -pontuada por elipses,
com variações cromáticas para
situar épocas distintas e com a
música da Era de Ouro do rádio
ajudando a costurar a história- não se preocupou em ser
excessivamente didática.
O contexto de época estava
lá, sutil e bem amarrado: o governo de Getúlio, a eclosão da
Segunda Guerra, o presidente
Dutra e o fechamento dos cassinos, o surgimento da televisão. Mas nem por um minuto
caiu-se na tentação de dar aulas
de história ao telespectador. Os
personagens paralelos -Francisco Alves, Emilinha Borba,
Ataulfo Alves, David Nasser,
Dercy Gonçalves, entre tantos
outros-, do mesmo modo, foram aparecendo, cena após cena, sem necessidade de apresentações prévias.
Em vez de buscar caracterizações minuciosas dos atores
-em "Maysa", por exemplo,
era por vezes assombrosa a semelhança da atriz Larissa Maciel com a cantora que ela encarnava-, a microssérie optou
por privilegiar as interpretações. Até Grande Otelo aparece
alguns bons palmos mais alto,
sem que com isso o ator Nando
Cunha o fizesse menos verossímil. E Dalva -chamada de
"Pretinha" por Herivelto- tinha pele bem mais escura do
que Adriana Esteves, mesmo
bem bronzeada.
Adriana, aliás, ainda que aqui
e ali pareça ter revivido por instantes a Celinha de "Toma Lá,
Dá Cá", fez uma Dalva competente, inclusive na dublagem
dos números musicais, o ponto
alto do programa, com reconstituições impecáveis de cenários e figurinos, marca registrada da emissora.
Certas licenças poéticas,
contudo, incomodaram. Por
que, afinal de contas, na microssérie, o segundo marido de
Dalva -o empresário argentino Tito Clement- transformou-se em um cantor mexicano de boleros?
E como não poderia deixar de
ser, foram salientadas as inegáveis e notórias escapadas e traições de Herivelto, vivido por
um convincente Fábio Assunção. Mas os pecadilhos íntimos
de Dalva permaneceram encobertos pela sutileza e pelo confortável benefício da dúvida.
Especialmente no último capítulo, a trama se focou demais
em Dalva, com Herivelto relegado a segundo plano. Uma pena. Perdeu-se a oportunidade
de se mergulhar ali no abismo
insondável do coração do canalha, nas dores do macho arquetípico, nas agonias do traidor
compulsivo e profissional.
O jornalista LIRA NETO é autor das biografias
"Maysa" (Globo, 2007) e "Padre Cícero" (Companhia das Letras, 2009)
DALVA E HERIVELTO
De: Maria Adelaide Amaral
Direção: Dennis Carvalho
Com: Adriana Esteves e Fábio Assunção
Avaliação: ótimo
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