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TELEVISÃO
Só mesmo Fernanda Montenegro, mais ninguém
TELMO MARTINO
Colunista da Folha
Agora que esse "noblesse oblige"
passou a ser internacional, toda e
qualquer prioridade é de Fernanda Montenegro. Por isso, enquanto nossa maior atriz não colocar
sobre seus ombros o manto azul da
Compadecida, Grilo e Chicó que
esperem a sua vez, descomendo
impaciência ou o que melhor lhes
parecer.
Fernando Montenegro recebeu a
importante incumbência de fazer
o "Você Decide" fingir que é o TBC
de tempos sempre áureos nas artes
teatrais paulistas. Restaurando
para tanto a história do "Assim É
Se Lhe Parece", de Luigi Pirandel-
lo, o favorito do circuito Gigetto-
Piolim-Orvieto, de tão glorioso e
dramático macarrão. Que sejam
ouvidos todos os aplausos.
O que se precisa decidir é quem é
o louco. A sogra Fernanda Montenegro ou o genro Luís Mello. Os vizinhos Debora Duarte, Hugo Carvana e qualquer outro precisam
tomar o maior cuidado para não
enlouquecer também. Tendo como
base sua expressão de quem comeu, não gostou e acha que todo
mundo é o cozinheiro, Luís Mello
tem direito a todos os seus exagerados exageros. Comporta-se alucinadamente para proteger a sogra da própria loucura. Ela prefere
acreditar na eternidade da filha.
Luís Mello pode se esvair em destemperos, que todo mundo está
optando pela verdade mesmo que
absurda de sua sogra e pelo tão feliz "Pour Élise" que ela consegue
extrair, desobediente, das teclas de
um piano proibido. Todo mundo
se comporta com a curiosidade
muito certa para quem tem um
prato cheio de mexericos a saborear. O Luís Mello se excede porque tem autorização para fazê-lo.
Débora Duarte porque, viciada,
nunca mais conseguirá se conter.
Sogra ou genro? Tanto faz. Vamos aproveitar ao máximo a sogra, porque existe o medo de que
Fernanda Montenegro fique ainda
mais difícil, diante de uma nova
fama. As artimanhas, quase verdades e meias mentiras que ela tece como um crochê de gestos e
olhares, são de uma total sedução.
Loucos são os outros. Se a sogra é
Fernanda Montenegro, ela só pode
ser a mulher mais lúcida do Brasil.
O quê? Isso aí. Do mundo também.
Dizem no decorrer dos diálogos
que a verdade é que é impossível
saber a verdade. Como frase feita
até que é das mais convincentes.
Mas é melhor nos aproximarmos
do piano. Fernanda, outra vez
com muito prazer na travessura,
vai dedilhar o seu Beethovenzinho. É uma inevitável adoração.
Depois da música, quando saboreia aquele líquido turvo, para depois elogiá-lo como o café mais saboroso que sua transgressão musical mereceu, ela autoriza um gemido de prazer. Deixar tudo tão
claro com o prazer que um líquido
turvo lhe deu. Só mesmo Fernanda
Montenegro. Mais ninguém.
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