São Paulo, segunda, 11 de janeiro de 1999

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TELEVISÃO
Só mesmo Fernanda Montenegro, mais ninguém

TELMO MARTINO

Colunista da Folha

Agora que esse "noblesse oblige" passou a ser internacional, toda e qualquer prioridade é de Fernanda Montenegro. Por isso, enquanto nossa maior atriz não colocar sobre seus ombros o manto azul da Compadecida, Grilo e Chicó que esperem a sua vez, descomendo impaciência ou o que melhor lhes parecer.
Fernando Montenegro recebeu a importante incumbência de fazer o "Você Decide" fingir que é o TBC de tempos sempre áureos nas artes teatrais paulistas. Restaurando para tanto a história do "Assim É Se Lhe Parece", de Luigi Pirandel- lo, o favorito do circuito Gigetto- Piolim-Orvieto, de tão glorioso e dramático macarrão. Que sejam ouvidos todos os aplausos.
O que se precisa decidir é quem é o louco. A sogra Fernanda Montenegro ou o genro Luís Mello. Os vizinhos Debora Duarte, Hugo Carvana e qualquer outro precisam tomar o maior cuidado para não enlouquecer também. Tendo como base sua expressão de quem comeu, não gostou e acha que todo mundo é o cozinheiro, Luís Mello tem direito a todos os seus exagerados exageros. Comporta-se alucinadamente para proteger a sogra da própria loucura. Ela prefere acreditar na eternidade da filha.
Luís Mello pode se esvair em destemperos, que todo mundo está optando pela verdade mesmo que absurda de sua sogra e pelo tão feliz "Pour Élise" que ela consegue extrair, desobediente, das teclas de um piano proibido. Todo mundo se comporta com a curiosidade muito certa para quem tem um prato cheio de mexericos a saborear. O Luís Mello se excede porque tem autorização para fazê-lo. Débora Duarte porque, viciada, nunca mais conseguirá se conter.
Sogra ou genro? Tanto faz. Vamos aproveitar ao máximo a sogra, porque existe o medo de que Fernanda Montenegro fique ainda mais difícil, diante de uma nova fama. As artimanhas, quase verdades e meias mentiras que ela tece como um crochê de gestos e olhares, são de uma total sedução. Loucos são os outros. Se a sogra é Fernanda Montenegro, ela só pode ser a mulher mais lúcida do Brasil. O quê? Isso aí. Do mundo também.
Dizem no decorrer dos diálogos que a verdade é que é impossível saber a verdade. Como frase feita até que é das mais convincentes. Mas é melhor nos aproximarmos do piano. Fernanda, outra vez com muito prazer na travessura, vai dedilhar o seu Beethovenzinho. É uma inevitável adoração.
Depois da música, quando saboreia aquele líquido turvo, para depois elogiá-lo como o café mais saboroso que sua transgressão musical mereceu, ela autoriza um gemido de prazer. Deixar tudo tão claro com o prazer que um líquido turvo lhe deu. Só mesmo Fernanda Montenegro. Mais ninguém.



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