São Paulo, quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009 |
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No caminho das artes
Índia, que vive boom na arte contemporânea, é a convidada deste ano da tradicional feira Arco, em Madri, e tema de exposições em grandes museus da Espanha, do Japão e do Reino Unido
SILAS MARTÍ DA REPORTAGEM LOCAL Nem a crise intimida o mais novo gigante da cena artística mundial. Se a última década viu despontarem no circuito as chinesas Pequim e Xangai, que conseguiram criar bienais e trienais para acompanhar o boom econômico de suas galerias, é a vez de Mumbai e Nova Déli fincarem um pé na arte contemporânea internacional. A Índia, que realizou sua primeira feira de arte no ano passado, o India Art Summit, hoje é tema de três grandes exposições coletivas no Instituto Valenciano de Arte Moderno, em Valencia, no Mori Art Museum, em Tóquio, e na Serpentine Gallery, em Londres, além de ser o país convidado da Arco, uma das mais tradicionais feiras de arte no mundo, que começa hoje em Madri -em 2008, o Brasil ocupou o lugar agora reservado a seu vizinho entre os Brics. "Temos um país emergente em todos os sentidos", resume a diretora da Arco, Lourdes Fernández, 47, à Folha. "A decisão de convidar a Índia foi tomada antes da crise financeira, mas é um mercado emergente, que sofreu muito menos." Enquanto o Brasil, que já tinha forte presença no cenário internacional, levou 30 galerias à Arco no ano passado, a Índia participa com 13 neste ano. "O Brasil é muito mais próximo do Ocidente, mas a Índia era totalmente desconhecida até agora", justifica Fernández. Do zero, o país galgou rápido algumas posições na escala global. Segundo os organizadores do India Art Summit, a primeira feira de arte na história do país, que levou 10 mil pessoas a Nova Déli, leilões de arte contemporânea na Índia cresceram de US$ 5 milhões faturados em 2003 para US$ 150 milhões no ano passado, ou seja, quase 30 vezes mais. "É como surfar uma grande onda, por isso criamos uma plataforma profissional para mostrar arte indiana", afirma a diretora do India Art Summit, Neha Kirpal, 28, que estará em Madri nesta semana para falar sobre o mercado de seu país. "É um momento em que nossos artistas estão se globalizando." Em fotografias e vídeos -suportes preferidos de uma geração que vive da tecnologia desde a independência do país-, esses artistas retratam o movimento acelerado em boa parte de suas obras: as transformações por que passa o país, as grandes paisagens urbanas e o desenvolvimento econômico. "Esse interesse pela arte indiana tem muito mais a ver com a abertura econômica. É tudo impulsionado pelo crescimento pré-recessão", afirma Amar Kanwar, 45, um dos artistas mais relevantes da cena contemporânea indiana, agora em cartaz na Serpentine. "Só fico feliz que consegui mostrar meu trabalho na Documenta [em Kassel, na Alemanha] antes de virar o sabor do mês." Kanwar e outros, de fato, acabam mostrando mais suas obras no exterior do que no próprio país, ainda às voltas com a censura extraoficial. Além de Kanwar, não participaram do India Art Summit, por exemplo, alguns dos artistas mais relevantes da arte indiana, como o grupo Raqs Media Collective, Nalini Malani, Tejal Shah e M.F. Husain. "É verdade que Husain teve de se exilar por causa da censura do seu trabalho na Índia", admite Hans Ulrich Obrist, 41, curador da Serpentine Gallery, que convidou o pintor para a mostra no museu londrino. Os mesmos nomes que faltaram no India Art Summit estão hoje na Serpentine e no Mori Art Museum, lugares que não se acanham ao receber obras sobre sexo e religião -temas recorrentes na produção desses artistas e vetados por instituições indianas, a maioria delas sob controle do governo. Outro exemplo contundente é Anish Kapoor, possivelmente o artista indiano mais conhecido no mundo, que se acostumou a viver fora do país para fazer seus trabalhos. Contradições profundas "Existe censura, mas ela não é oficial. Só não exibem obras sobre sexo ou ateísmo", afirma a artista Tejal Shah, 30, também na mostra da Serpentine. "É um país de contradições profundas: enquanto constrangem minorias, a homossexualidade é ilegal e não há acesso a nada, subsidiam a construção de multiplex de cinema." São as mesmas contradições que aparecem nos vídeos do Raqs Media Collective. Eles misturam numa sala especial da Serpentine ícones tradicionais da cultura do país e registros de mazelas contemporâneas. "São relatos da vida no subcontinente, que lidam com a violência, a tentativa de manter certas culturas", descreve Jeebesh Bagchi, 44, um dos artistas do grupo criado em 1992. "Houve tantas mudanças e um desenvolvimento tão rápido, que a memória fica ameaçada, como um caso de amnésia", diz Obrist, que enxerga "uma tensão muito interessante entre a tradição e a modernidade na Índia hoje." Texto Anterior: Mônica Bergamo Próximo Texto: Frases Índice |
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