São Paulo, quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

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Hélio Oiticica e Lygia Clark

Heróis da arte dos anos 60 e 70 inspiram, com suas ideias libertárias, coletivos de artistas de Rio e Minas

Fotos Divulgação
Opavivará: Grupo reinventa ambientes de convivência, como os criados por Oiticica, e reduz a importância do objeto de arte criando uma moeda que pode ser trocada por coisas do público

SILAS MARTÍ
DA REPORTAGEM LOCAL

Numa troca de cartas, Lygia Clark resumiu com uma frase o caráter da arte que queria fazer naqueles anos 60: "Arte agora é arte de colhões". Escrevia de Paris ao amigo Hélio Oiticica, reclamando da arte "morta" que via por lá, tão longe do que estavam tramando no Brasil.
Do Rio, Oiticica respondeu: "Hoje sou marginal ao marginal, marginal mesmo: à margem de tudo, o que me dá surpreendente liberdade de ação". Arrematava dizendo "podemos botar fogo neste continente".
Mais de 40 anos depois desses escritos, e da morte de Clark e Oiticica, nos anos 80, desponta uma geração de jovens artistas que tentam reacender a brasa dos programas ambientais e da arte participativa e a potência libertária que eles deixaram como legado.
Processados pela academia, digeridos pela crítica e alçados, enfim, à condição de gênios da arte contemporânea no circuito global, Clark e Oiticica são da estirpe de heróis dos anos 60 e 70 que impulsionam coletivos de artistas em todo o país.
Pensavam uma arte que dependesse das reações do público, que fosse além do espaço expositivo e que tivesse como motor a liberdade extrema, sem concessões. Mais do que obras, criavam ambientes, vestimentas, um caldeirão estético.
"Fazemos uma coisa que se quer para fora, para além do bidimensional, que é a discussão que o Hélio travou, a Lygia também", resume Alex Topini, do Filé de Peixe, grupo carioca surgido em 2006. "Existe uma absorção contínua de tudo que está ao redor, o mercado popular, o camelô, o transeunte."
Violando os espaços convencionais, abominados pelos neoconcretistas, o Filé de Peixe ficou conhecido pelo "Piratão", ação em que vendem cópias ilegais de clássicos da videoarte, de Yoko Ono a Andy Warhol. Questionam a galeria e o valor atrelado ao objeto de arte.
Juntos há cinco anos, os cariocas do Opavivará também reduzem valores e ritualizam as trocas. São atos no espaço público, longe do cubo branco, que aposentam o objeto em si. Inventaram uma moeda de cerâmica que pode ser trocada por tudo, de coisas dos espectadores a performances, danças.

Paisagem e ritual
Eco dos ambientes imersivos de Oiticica, como as "Cosmococas", inventaram espaços de convivência, uma espécie de moita gigante, e atos coletivos, um narguilé de 20 canudos, que só funciona quando todos são tragados ao mesmo tempo.
"É um objeto que necessita da participação do público para funcionar", diz Daniel Toledo, do Opavivará. "Acaba proporcionando um ritual, o fumo entra no corpo e faz com que alterem a relação com o mundo."
Também alteram a relação com os espaços os artistas do grupo Nuvem. Caem na estrada e procuram Brasil afora os ambientes que serão transformados em instalação. Costuraram com cordas uma fissura na terra em Goiás, como se remendassem uma falha geológica. Instalaram tubos de alumínio montanha acima, criando um canal para a circulação do vento -a passagem do ar cria uma trilha sonora para a paisagem.
No espaço urbano, o grupo mineiro Lotes Vagos negocia a ocupação temporária de terrenos baldios. Não sobra nada para chamar de obra, mas durante a ação oferecem serviços, criam um jardim, uma horta, fazem as unhas de quem aparecer por lá.
No fim, é mais uma questão de atitude do que de relações formais específicas. Nenhum desses grupos parece usar Clark e Oiticica como bandeiras para garantir sucesso. No lugar de uma apropriação banal, indevida, operam movidos por reverência e saudades de uma época que não viveram.
Distantes do conceito e próximos da vontade, artistas do Barracão Maravilha, grupo surgido no Rio, resumem em parte esse espírito. Alternam o trabalho nas próprias obras de arte com a atuação nos barracões de escolas de samba, onde ajudam a construir esculturas, adornos e alegorias carnavalescas. Estão certos de que arte e vida, mesmo em tempos de Carnaval, andam sempre juntas.


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