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FERREIRA GULLAR
Viver com medo
Precisamos nos dar conta de que a questão social não é caso de polícia, mas o crime é
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TRÊS HOMENS , dois de 25 anos e
um de 27, mataram a facadas,
num apartamento em Copacabana, os franceses Jerôme, Christian e Delphine, dirigentes da ONG
TerrAtiva, que os haviam acolhido e
transformado em cidadãos. Társio,
autor do plano homicida, que trabalhava na administração da ONG,
aprendera francês, cursara universidade e recebera por prêmio ir à
França, de graça, assistir à Copa do
Mundo.
Há poucos dias, Delphine descobriu que Társio roubara R$ 80 mil
da organização e o convidou para
uma conversa na presença do contador da entidade. Ele, então, decidiu
assassinar os seus benfeitores, com
a ajuda de Luiz e Michel, também
amparados pela ONG. E isso com requintes de perversidade, conforme a
imprensa noticiou para horror do
país, horror tanto maior neste momento em que a cidadania, revoltada, exige das autoridades providências para deter a criminalidade. Não
há demonstração mais evidente de
que, no Brasil, os bandidos não temem punição.
E com razão, já que boa parte dos
delitos é cometida por criminosos
que, condenados pela Justiça, estão
livres, ou porque fugiram da prisão,
ou porque foram soltos -graças ao
benefício conhecido como "progressão da pena". Esse benefício -cuja
modificação acaba de ser aprovada
pelo Congresso- consiste em permitir que o criminoso seja posto em
liberdade tendo cumprido somente
um sexto da pena. Ou seja: se praticou um crime brutal e recebeu a
condenação de 30 anos de prisão, estará de volta à liberdade cumpridos
apenas cinco anos.
A lei prevê que o condenado só terá direito ao benefício se se comportar bem na cadeia, dando provas de
que já não representa ameaça à segurança dos demais cidadãos. E o
que ele faz? Finge-se de bonzinho,
de bem-comportado, induz outros
presos a praticarem violências e desmandos dentro do presídio, ameaçando matá-los se o denunciarem.
Todos, com raras exceções, pela lei
ainda em vigor, são libertados após
cumprirem um sexto da pena.
Vimos, há pouco, serem condenados a mais de 400 anos de prisão os
bandidos que queimaram vivas oito
pessoas dentro de um ônibus aqui
no Rio. Ao ler essa notícia, o cidadão
de boa-fé acredita que a Justiça está
cumprido com rigor o seu papel,
quando, na verdade, uma tal condenação não tem valor real algum, é
simbólica, para inglês ver, já que a lei
não permite penas acima de 30
anos. E, como todos os condenados
só cumprem um sexto da pena, pode-se dizer que, no Brasil, a pena
máxima é de apenas cinco anos, e será agora de apenas 12, matem quantos (inocentes) matarem.
Voltando ao caso dos homicidas
que executaram seus benfeitores, da
ONG TerrAtiva, impõe-se a seguinte
questão: se for verdade que o jovem
é levado ao crime por não ter quem o
apóie, eduque e lhe dê emprego, como se explica a ação feroz desses
três homens que, desde a adolescência, receberam tudo isso? Não resta
dúvida que esse fato põe por terra a
tese de que a causa única do crime é
social e que, eliminada a desigualdade, elimina-se a criminalidade.
Não obstante essa evidência, não
devemos concluir que o trabalho social de educação e profissionalização
dos jovens carentes seja inútil. Pelo
contrário, trata-se de um serviço social de importância inestimável, não
porque impeça inteiramente o crime e, sim, por contribuir para a redução da desigualdade e da injustiça.
A criminalidade tem muitas e
complexas causas, talvez mesmo seja impossível extirpá-la da sociedade. Não devemos ignorar que, entre
os tantos fatores que a determinam,
está o caráter do indivíduo, sua índole e até mesmo traços patológicos
da personalidade. Há, sem dúvida,
pessoas dóceis e afetuosas, como há
também pessoas agressivas e cruéis.
Por todas essas razões é que a polícia
que não apura e não prende, a Justiça que não pune e o sistema carcerário que não reeduca só contribuem
para agravar a situação de insegurança em que vivemos todos. Em face das indagações que tal situação
suscita, uma providência está fora
de discussão: afastar do convívio social aqueles que constituem ameaça
à vida e à paz dos cidadãos. Isso não
se efetivará se não nos convencermos de que a questão social não é caso de polícia, mas o crime é.
A propósito, é lamentável ouvir do
presidente da República que "não
devemos lançar toda a juventude à
sanha da repressão, com a redução
da maioridade penal". A redução é
uma questão decididamente controversa, mas alguém deveria explicar a Lula que ela só se aplica aos
poucos jovens que tenham cometido delitos graves e não a todos eles,
indiscriminadamente.
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