São Paulo, quarta, 11 de março de 1998

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Da Vila Penteado ao Salão Caramelo

Fundada em 1948, a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP comemora 50 anos com aula inaugural de Paulo Mendes da Rocha

MARA GAMA
Gerente de Criação do Universo Online

"A Cidade" é o tema da aula inaugural que o arquiteto Paulo Mendes da Rocha vai dar hoje, a partir das 10h, como parte das comemorações dos 50 anos da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo.
Arquiteto formado pelo Mackenzie, seu mais recente projeto foi a recuperação e a reforma da Pinacoteca do Estado, no parque da Luz. O preferido, o ginásio de esportes do Clube Atlético Paulistano, de 1957. Professor cassado em 1969, junto com o mestre Vilanova Artigas (1915-1985) e Jon Maitrejean, e reintegrado à universidade nos anos 80, Mendes da Rocha, 69, recebeu a Folha em seu escritório, no centro da cidade.

Folha - Qual o papel da FAU na universidade e na arquitetura brasileiras?
Paulo Mendes da Rocha -
O fato de a FAU de São Paulo ter-se originado -enquanto a maioria das outras escolas vieram das belas artes- de dentro da engenharia para nós tem uma importância muito grande. A Escola Politécnica é mãe de uma série de empreendimentos notáveis: estradas de ferro, recomposição de territórios, saneamento, aterros ganhados do mar, fundações de portos, as hidrelétricas em São Paulo. Uma escola de arquitetura fundada nesse meio é uma escola muito interessante para a América e para o Brasil, e ela serviu de paradigma para quase todas as escolas. Fundamentalmente deve-se isso ao professor Vilanova Artigas, que teve uma visão clara e uma consciência crítica sobre o estado da sociedade, das artes, do homem no mundo. Tudo isso na FAU brilhou muito. Estabeleceu-se para os departamentos de história, por exemplo, uma exigência crítica. Como se dissesse: a história não há. A história é o que nós quisermos que ela seja. Essas são as perspectivas que animaram a fundação da FAU.
Folha - Uma faculdade de arquitetura da importância da FAU não deveria estar mais presente na gestão da cidade?
Mendes da Rocha -
A ditadura militar invadiu o universo do pensamento, das idéias, da universidade para destruí-lo. Houve grandes prejuízos, coerção, censura. Isso alterou muito no plano interno, no Brasil, o peso da universidade, a sua influência, enquanto opinião, capaz de avançar no plano político como algo que se deve ouvir. Eu tenho a impressão que uma voz que saia daqui, uma experiência da América é muito interessante hoje na interlocução internacional, sobretudo, o que faz também com que apareçam esperanças de sermos mais ouvidos.
Folha - Como foi a aula do professor Artigas quando voltou à faculdade, nos anos 80?
Mendes da Rocha -
Artigas fez uma aula memorável. Ele discorreu sobre a idéia de vontade e desejo para as ações humanas associadas à questão linguística, que era uma das suas paixões. Ele mostrava como a palavra desenho, na sua origem, na nossa língua, significa desígnio, uma designação prévia para a movimentação, para a vida ativa. Uma vida que é organizada em projeto para um trabalho. O que é talvez a essência da condição humana: a premeditação, a experiência.
Folha - Como será sua aula?
Mendes da Rocha -
Vou centrar a aula na palavra cidade. A arquitetura tem uma imagem no âmbito do senso comum de produzir maravilhas para serem contempladas como instrumento de beleza supérfluos. E basta. Na verdade, ela também se destina a evitar desastres. A cidade é o lugar do homem contemporâneo, não há outra hipótese sobre uma imagem de habitat. O grande desafio da arquitetura é organizar o arcabouço técnico, estratégico, formal, capaz de amparar aquilo que é fundamental, as águas, a qualidade do espaço para nem promover nem amparar, mas simplesmente deixar à disposição a imprevisibilidade da vida de cada um. É um desafio, mas ao mesmo tempo um fator de entusiasmo.



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