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CRÍTICA
Massacre parece colado a filme
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
Quem será o intrigante médico que paira entre os prisioneiros de "Carandiru"? A pergunta não diz respeito ao médico real,
autor do relato que deu origem ao
filme de Hector Babenco, que, sabe-se, é Drauzio Varella. E sim à
figura sem nome que salva e observa os presidiários.
Imagem dupla, de anjo e voyeur. Anjo porque desenvolve um
trabalho de prevenção da Aids.
Voyeur porque observa um mundo com o qual não se identifica.
Apesar de sua voz em off aparecer
em alguns momentos, esse homem não é o narrador. Sua função é, basicamente, essa: pairar.
O aspecto voyeurístico da narrativa é intrínseco ao cinema.
Quando vemos um filme somos
voyeurs. O aspecto anjo nem
sempre está presente. Ele é o mais
intrigante e o que melhor informa
sobre a narrativa de "Carandiru".
Na maior parte dos filmes de
Babenco, não existe narrador.
Não existe reivindicação de um
ponto de vista. Tudo se passa como se as imagens exprimissem a
mais pura e completa verdade.
Trata-se de um cinema clássico
em sua retórica. Mas esse cinema
clássico que conhecemos dá conta
de um mundo que aspira ao equilíbrio, é estilisticamente discreto.
É um cinema que nunca se estabeleceu de todo no Brasil.
A maior, talvez única exceção é
Hector Babenco, que soube ambientar essa retórica nas condições hostis de um país subdesenvolvido, cheio de desigualdades.
No fim dos anos 70, Babenco
instaurou seu classicismo particular e bem-sucedido, em filmes
como "Pixote" e "Lúcio Flávio".
Ali, esse narrador onisciente já
não representa o conjunto da sociedade, mas algo como nossa
consciência progressista e democrática. A "sociedade civil", no
que tem de melhor. A questão que
"Carandiru" obriga a formular é:
Será que essa adaptação, que tão
bem serviu em tempos de autoritarismo, se aguenta em tempos
mais democráticos? A minha resposta é: na medida em que se apega à fórmula que funcionou bem
em tempos idos, "Carandiru" resvala por vezes no academicismo.
A forma narrativa é a de uma
crônica, o que implica num filme
sem "plot", sem trama. Dificuldade que contorna bem, ao menos
até a hora em que o médico deixa
o presídio. Pensamos que o filme
acabou, que tudo está dito. Mas
não. Depois disso vem o massacre
e a implosão. Que relação isso tem
com o que se viu antes? Rigorosamente nenhuma. Nada anuncia o
massacre. Ele é como que "colado" ao filme, sem que nada o justifique. Se esse final soa como fraqueza, diga-se que Babenco filma
isso muito bem, inclusive o massacre, e que a história do malandro Majestade é, por qualquer lado que se veja, um primor.
Carandiru
Produção: Brasil, 2003
Direção: Hector Babenco
Com: Luiz Carlos Vasconcelos, Milton
Gonçalves, Rodrigo Santoro
Quando: a partir de hoje nos cines Belas
Artes, Central Plaza, Jardim Sul e circuito
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