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São Paulo, sexta-feira, 11 de abril de 2003

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CINEMA

"Sexo por Compaixão" traz mulher que passa a fazer sexo com vários homens após ser abandonada pelo marido

Diretora espanhola cria misto de santa e meretriz

TIAGO MATA MACHADO
CRÍTICO DA FOLHA

Num vilarejo mexicano perdido de Deus, Dolores, uma alma que de tão boa dá inveja ao padre, mantém a moribunda comunidade local de pé. Abandonada pelo marido, enciumado pela generosidade sem limite da esposa, e repudiada pelo padre, um fraco de espírito, a quarentona Dolores (interpretada por Elisabeth Margoni) decide que é chegada a hora de aprender a pecar.
Tudo se passa, em "Sexo por Compaixão", como se a comunidade local encontrasse, nessa predisposição da protagonista, o seu renascimento.
A anciã da comunidade, uma velhota obcecada com a passagem do tempo e a extinção do seu corpo (assim como a de seu povo), dando falta da companhia de Dolores, logo deixa o seu leito de morte para reencontrar (e fotografar) a vida nas ruas.
A filha da fofoqueira da cidade, criança muda que vivia sob os auspícios de Dolores, na ausência da amiga, começa a gritar.
Deixando de fazer suas boas ações cotidianas, Dolores produz pequenos milagres, mas a transfiguração dessa alma caridosa em santa só se completa quando ela se mete de fato a pecar.
Uma santa que atende pelo (codi)nome de Lolita. Passando, sob nova alcunha, a fazer sexo por compaixão, Dolores, tal qual o anjo rimbaudiano vivido por Terence Stamp em "Teorema" (1968), começa a despertar, em todos aqueles com quem se deita, potencialidades adormecidas.
É neste momento que ganha cores o filme em preto e branco da espanhola Laura Mañá, tal como acontecia no clássico de Pier Paolo Pasolini quando Stamp entrava em cena.
A comparação, obviamente, não favorece Mañá. Atriz de formação, a jovem diretora debutante tem, como comprovam as caracterizações de sua produção, um gosto bem acentuado pelo pitoresco.
Nada contra o pitoresco: o problema é que Mañá se contenta com o pitoresco pelo pitoresco, o que, em se tratando de direção de cinema, é quase sempre sinal de imaturidade. E de uma imaturidade tanto temática quanto estilística. Mas Mañá está apenas começando e prova ao menos em seu primeiro longa que tem fôlego para crescer.
Dolores-Lolita, misto de santa e de meretriz, espécie de grande mãe capaz de atiçar o complexo edipiano dos homens que seduz, é também um rebento tardio, temporão, do cinema espanhol pós-franquista. Trata-se de um cinema da liberação, em boa parte dedicado à destruição dos dogmas católicos da era franquista, a provocações sub-buñuelescas e a sátiras sacrílegas dos filmes de gênero pastoral e religioso do cinema clássico espanhol.


Sexo por Compaixão
Sexo por Compasión
  
Produção: Espanha/México, 2000
Direção: Laura Mañá
Com: Elisabeth Margoni, Pilar Bardem, Alex Ângulo
Quando: a partir de hoje nos cines Lumière e Cinearte



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