São Paulo, domingo, 11 de abril de 2004

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TELEVISÃO

Drama de 12 episódios, gravado na capital italiana para criar verossimilhança, tem investimento de cerca de US$ 75 mi

Em 2005, o Império Romano contra-ataca

FRANK BRUNI
DO "NEW YORK TIMES"

Como todo mundo sabe ou pelo menos é capaz de supor, Roma não foi construída em um dia.
Mas a cidade foi erguida em uns poucos meses, resplandecente em seu isopor, fibra de vidro e chapa metálica. Um dos poucos projetos cívicos inacabados, em uma tarde recente, era um trecho da piazza perto do Templo de Vênus, onde o cimento ainda não tinha secado.
"Pise com cuidado", alertou Anne Thomopoulos, executiva de primeiro escalão da HBO, mas o aviso veio tarde demais. Lá estava, maculando a paisagem clássica da cidade e expondo seu artifício: uma pegada de sapato que pertencia definitivamente a um período posterior da História.
Thomopoulos riu e prometeu que o defeito seria consertado. Um passo equivocado de um visitante não bastaria para impedir que a HBO concretizasse a mais recente de suas visões excêntricas.
A rede de TV a cabo que fez dos agentes funerários personagens sexy (em "Six Feet Under") e que recentemente começou a desconstruir o western (em "Deadwood") está agora reconstruindo e revivendo a Roma antiga.
Para fazê-lo, a HBO atraiu a BBC a uma parceria, e juntas as duas organizações investiram cerca de US$ 75 milhões para os 12 episódios de uma hora de duração da minissérie "Roma", drama que deve estrear em 2005. Se obtiver sucesso, uma segunda e talvez uma terceira temporada poderão ser produzidas.
A série, além disso, iniciou sua produção na Roma moderna, em parte com base na teoria de que a proximidade estimula a fidelidade histórica, ou pelo menos um simulacro convincente.
"Eles filmavam "Sex and the City" em Nova York", diz Thomopoulos. ""A Família Soprano" é filmado em Nova Jersey. Há uma textura, uma verossimilhança, que só é possível obter quando filmamos no local real da história."
A enorme equipe envolvida na filmagem de "Roma" está instalada a cerca de 10 km do centro histórico da cidade, nos famosos estúdios da Cinecittà, onde Federico Fellini dirigia seus filmes e onde, mais recentemente, Mel Gibson filmou boa parte de "A Paixão de Cristo" e Martin Scorsese moldou "Gangues de Nova York". Pedaços do filme de Scorsese ainda existem no estúdio. Se você andar até os limites mais distantes da Roma do ano 51 a.C., subitamente tropeça na Nova York de 1851.
Roma é maior e muito, muito mais brilhante do que se poderia esperar. Está repleta de colunas jônicas e coríntias vermelhas, amarelas, laranjas e pretas.
Joseph Bennett, diretor de arte da produção, diz que esses tons são tão historicamente acurados quanto o branco desbotado pelo tempo dos pilares remanescentes no Fórum, no centro da cidade.
"Tudo era colorido", diz Bennett, enquanto guia um repórter em sua visita à versão de Roma que a minissérie apresentará.
Bruno Heller, redator-chefe do programa, explica, no almoço, que a Roma antiga era na verdade uma espécie de mercado a céu aberto, maltrapilho, e não a passarela monocromática de túnicas bem passadas e poses ostentosas que gerações de roteiristas e diretores enfatizaram.
"A Roma daquele período era mais parecida com Bombaim ou com a Cidade do México", diz Heller. "Era suja e selvagem."
E isso atraiu a HBO.
Thomopoulos desenvolveu a idéia básica para a série em 1997, depois de assistir a um DVD de "I, Claudius" [Eu, Cláudio], uma minissérie britânica dos anos 70 sobre a Roma antiga. Ela disse que o trabalho despertou seu apetite por mais filmes sobre Roma, com uma abordagem diferente.
Alguns anos mais tarde, conta, Heller foi ao seu escritório em Los Angeles "para tentar vender uma idéia relacionada a norte-americanos pobres". Ela perguntou se ele estaria disposto a desviar suas energias para os pobres da Roma clássica. "Eu amo a Roma antiga", é a resposta que ela relembra.
O conceito era observar a Roma imperial da perspectiva do homem comum, e não do palácio de César. O que emergiu dessa idéia foi uma trama que gira em torno de dois soldados de volta à cidade depois de passarem anos desmembrando gauleses nas guerras.
Um dos soldados "está muito preocupado com a possibilidade de que sua mulher lhe tenha sido infiel", conta Heller.
"E surgem complicações", diz Stan Wlodkowski, um dos produtores-executivos da série.
Essas reviravoltas e surpresas não são expressas em latim ou aramaico, mas em inglês relativamente coloquial: uma forma, segundo os criadores da série, de estimular um elenco composto basicamente por atores britânicos desconhecidos.
"Assim que os atores vestem seus trajes históricos, adotam personalidades bizarras", diz o diretor Michael Apted.
Apted, cujos créditos como diretor de cinema vão de "O Destino Mudou sua Vida" a "007 - O Mundo Não é o Bastante", foi contratado para dirigir os três primeiros episódios de "Roma".
"Esse é um dos desafios que temos de enfrentar: o de não produzir um espetáculo bizarro", diz ele, sentado à mesa do almoço diante de Heller e Wlodowski.
Os criadores da série tomaram o máximo de cuidado para manter a fidelidade ao passado. Montaram uma biblioteca de títulos obscuros sobre o tema, entre os quais diversos que tratam dos gestos físicos dos antigos romanos.
No começo de março, Apted alugou um ônibus e, acompanhado de um grande grupo de atores, viajou até as ruínas de Pompéia, perto de Nápoles, duas horas ao sul da capital italiana.
"O lugar serve para oferecer uma impressão de como era a vida: a largura de uma rua, o tamanho de uma sala", diz. "Isso permite construir uma imagem inconsciente que se torna parte essencial de tudo que fazemos."
Bennett disse que durante a criação de esculturas em fibra de vidro para os templos romanos montados no estúdio, a equipe visitou os muitos museus de Roma e usou relíquias reais como referência para as suas reproduções.
April Ferry, a figurinista, estudou a moda do período e fez surpreendentes descobertas.
"Quem diria que os gauleses usavam roupa xadrez?", diz ela, caminhando entre as couraças e os trajes que ocupam o seu departamento de guarda-roupa.
Ela disse ter descoberto em livro sobre o erotismo em Pompéia, que diz que as prostitutas romanas usavam blusas de frente-única e bustiês, não muito diferentes dos trajes adotados pelas descendentes modernas. "Eles eram pessoas parecidas conosco", diz.
Bem, nem tanto.
As pesquisas de Ferry também demonstraram que os soldados romanos às vezes afixavam pequenas partes dos corpos de rivais derrotados, entre as quais os órgãos genitais, aos seus elmos de batalha.
Mas havia certa confusão na Roma antiga e em suas cercanias, naquela tarde. O início das filmagens estava marcado para dali a alguns dias, e os preparativos finais estavam em ritmo frenético.
Bennett disse que começara a contemplar a construção dos cenários em setembro, mas que a pedra fundamental, por assim dizer, só fora deitada em novembro.
Apenas quatro meses mais tarde, sua Roma tem um imenso fórum republicano com templos majestosos, sustentados por imensas colunas. O bairro rico da cidade está enfeitado por amplas mansões, revestidas de material que se assemelha a uma pedra macia, e o bairro pobre tem edifícios residenciais de tijolos.
As estruturas parecem firmes ao toque. Não há fachadas falsas ou cenários de cartolina, aqui.
"Os cenários têm de ostentar uma certa longevidade, como a da antiga Roma", disse Bennett. Na era da televisão, isso não quer dizer décadas ou séculos, mas a duração de uma série respeitável. Cinco anos bastarão.


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