São Paulo, terça-feira, 11 de abril de 2006

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Reconciliação de diretor e atriz permite retomada do grupo, que vai lançar livro sobre seus 30 anos

O reencontro

VALMIR SANTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

Nos últimos cinco anos, quem viu Cacá Rosset cometendo platitudes esportivas, políticas e morais em programas televisivos deve ter pensado que o grupo teatral dele acabou. Mas o Ornitorrinco está de volta, tal o animal de quem emprestou o nome, um misto de mamífero e ave que dizem fadado à extinção, mas bom de bico, dono de visão aguçada e esporões venenosos.
Está prevista para o final de maio a estréia de "O Marido Vai à Caça!", comédia do final do século 19 do francês Georges Feydeau. A temporada será no Tuca, em São Paulo.
Rosset, 51, dirige, atua e co-produz a montagem com Christiane Tricerri, 44, atriz que também retorna ao Ornitorrinco após dez anos. O cenógrafo e figurinista José de Anchieta, 58, completa o triunvirato do núcleo atual.
Com Feydeau, o Ornitorrinco aposta na sua vocação para a comediografia clássica. Em 13 peças montadas em 29 anos, descontadas as remontagens, constam três Molière, dois Shakespeare e um Alfred Jarry.
Os artifícios da traição movem "O Marido Vai à Caça!". Na Paris dos anos 1890, um médico deseja a mulher do melhor amigo. Este diz que vai caçar, mas é habituê de uma garçonnière, casa para encontros amorosos. Arma-se um meticuloso novelo de situações, com portas que despacham os personagens para lá e para cá. "Haja dobradiças", brinca Anchieta. Rosset diz ter contado 197 movimentos de entra-e-sai nos três atos do espetáculo.
Ao contrário de "Com a Pulga Atrás da Orelha", possivelmente o texto mais conhecido de Feydeau no Brasil, "O Marido Vai à Caça!" raramente chega ao palco. Entre as montagens mais lembradas, estão a de Maurice Vaneau, protagonizada por Maria Della Costa (São Paulo, 1962), e a de Amir Haddad, por Fernanda Montenegro (Rio de Janeiro, 1971).

O elenco
Rosset admite que não se tratava de um dos seus autores preferidos. "O Feydeau tem elementos farsescos, como Molière, mas reina em outro gênero, o vaudeville. O que me fascina é o qüiproquó e suas guinadas, sua lógica infernal, uma espécie de pesadelo cômico. Quando você acha que chegou ao auge da complicação, vem mais alguma coisa", diz o diretor. Dessa vez, não haverá entrelaçamento de linguagens como dança e circo.
"O vaudeville (...) é na vida real o que o fantoche articulado é para o homem que caminha, um exagero muito artificial de uma certa rigidez natural das coisas", escreveu o filósofo Henri Bergson. (1859-1941).
Rosset interpreta Chandel, o marido do título. Tricerri é Leontina, a mulher que sabe por último, mas dá o troco à altura. De espetáculos anteriores, estão no elenco Octávio Mendes e JavertMonteiro. Dentre os intérpretes de primeira viagem no Ornitorrinco: Ariel Moshe, Anderson Faganello e Claudete Pereira Jorge -os dois últimos, vindos de Curitiba.
"Estava com saudade desse teatro para grandes platéias, de teatro popular", diz Tricerri. Na década de hiato "ornitorrínquico", para citar Rosset, a atriz produziu e atuou em três peças ("Quíntuplos", "Patty Diphusa" e "Pagu Que"). E ainda tornou-se mãe de dois filhos.
Em "A Comédia dos Erros" (1995/96), Tricerri e Rosset contracenavam, mas não se falavam fora de cena. Ela saiu do grupo brigada. Só fizeram as pazes para valer há cerca de dois anos, quando conversaram sobre o novo projeto.
Para quem já sobreviveu a um terremoto no México (turnê de "Ubu - Folias Physicas, Pataphysicas e Musicaes", 1986) ou teve uma bomba explodida por extremistas religiosos na entrada de um teatro na Colômbia ("Teledeum", 1988), não foi muito difícil superar.
"Isso é normal. Eu e Maria Alice [Vergueiro, co-fundadora do Ornitorrinco] quebramos o pau várias vezes. Acontece em qualquer família", diz Rosset, sem revelar a raiz do qüiproquó. "Foram 11 anos juntos, era um casamento que precisava de um tempo", diz Tricerri.
Em paralelo aos ensaios, ela organiza um livro sobre os 30 anos do Teatro do Ornitorrinco, a serem completados em 2007, quando haverá outro espetáculo, ainda não revelado. Quem escreve o livro é o jornalista Guy Corrêa. O lançamento está previsto para o segundo semestre.

Terceira via
"De certa maneira, o Ornitorrinco configurou uma terceira posição dentro do teatro brasileiro. A gente nem é o teatrão, o comercial, o da superprodução, o dos atores globais, nem o alternativo de gueto, o que fala apenas para um público específico, o teatro comunista para comunistas, o teatro católico para católicos, o teatro gay para gays", diz Rosset.
Sobre sua performance televisiva dos últimos tempos, ele diz que se sentia à vontade no bate-papo semanal com Hebe Camargo, Adriane Galisteu e Jorge Kajuru no SBT ("Fora do Ar", programa que durou seis meses em 2005). "Àquela altura, quando o mensalão veio à tona, criticar o PT, originalmente um partido de esquerda, não era ser conservador, mas realista", diz o ator, para quem o Brasil do governo Lula se transformou "num grande vaudeville".
Atualmente, Rosset vive o papel de comentarista esportivo no "Esporte Total", nas tardes da Band. "Eu introduzi uma mexicanização no programa: sempre choro quando o Corinthians perde." Como no bordão de Pai Ubu, "Sei lá, mil coisas".


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