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Reconciliação de diretor e atriz permite retomada do grupo, que vai lançar livro sobre seus 30 anos
O reencontro
VALMIR SANTOS
DA REPORTAGEM LOCAL
Nos últimos cinco anos, quem
viu Cacá Rosset cometendo platitudes esportivas, políticas e morais em programas televisivos deve ter pensado que o grupo teatral
dele acabou. Mas o Ornitorrinco
está de volta, tal o animal de quem
emprestou o nome, um misto de
mamífero e ave que dizem fadado
à extinção, mas bom de bico, dono de visão aguçada e esporões
venenosos.
Está prevista para o final de
maio a estréia de "O Marido Vai à
Caça!", comédia do final do século 19 do francês Georges Feydeau.
A temporada será no Tuca, em
São Paulo.
Rosset, 51, dirige, atua e co-produz a montagem com Christiane
Tricerri, 44, atriz que também retorna ao Ornitorrinco após dez
anos. O cenógrafo e figurinista José de Anchieta, 58, completa o
triunvirato do núcleo atual.
Com Feydeau, o Ornitorrinco
aposta na sua vocação para a comediografia clássica. Em 13 peças
montadas em 29 anos, descontadas as remontagens, constam três
Molière, dois Shakespeare e um
Alfred Jarry.
Os artifícios da traição movem
"O Marido Vai à Caça!". Na Paris
dos anos 1890, um médico deseja
a mulher do melhor amigo. Este
diz que vai caçar, mas é habituê de
uma garçonnière, casa para encontros amorosos. Arma-se um
meticuloso novelo de situações,
com portas que despacham os
personagens para lá e para cá.
"Haja dobradiças", brinca Anchieta. Rosset diz ter contado 197
movimentos de entra-e-sai nos
três atos do espetáculo.
Ao contrário de "Com a Pulga
Atrás da Orelha", possivelmente o
texto mais conhecido de Feydeau
no Brasil, "O Marido Vai à Caça!"
raramente chega ao palco. Entre
as montagens mais lembradas, estão a de Maurice Vaneau, protagonizada por Maria Della Costa
(São Paulo, 1962), e a de Amir
Haddad, por Fernanda Montenegro (Rio de Janeiro, 1971).
O elenco
Rosset admite que não se tratava de um dos seus autores preferidos. "O Feydeau tem elementos
farsescos, como Molière, mas reina em outro gênero, o vaudeville.
O que me fascina é o qüiproquó e
suas guinadas, sua lógica infernal,
uma espécie de pesadelo cômico.
Quando você acha que chegou ao
auge da complicação, vem mais
alguma coisa", diz o diretor. Dessa vez, não haverá entrelaçamento de linguagens como dança e
circo.
"O vaudeville (...) é na vida real
o que o fantoche articulado é para
o homem que caminha, um exagero muito artificial de uma certa
rigidez natural das coisas", escreveu o filósofo Henri Bergson.
(1859-1941).
Rosset interpreta Chandel, o
marido do título. Tricerri é Leontina, a mulher que sabe por último, mas dá o troco à altura. De espetáculos anteriores, estão no
elenco Octávio Mendes e JavertMonteiro. Dentre os intérpretes
de primeira viagem no Ornitorrinco: Ariel Moshe, Anderson Faganello e Claudete Pereira Jorge
-os dois últimos, vindos de Curitiba.
"Estava com saudade desse teatro para grandes platéias, de teatro popular", diz Tricerri. Na década de hiato "ornitorrínquico",
para citar Rosset, a atriz produziu
e atuou em três peças ("Quíntuplos", "Patty Diphusa" e "Pagu
Que"). E ainda tornou-se mãe de
dois filhos.
Em "A Comédia dos Erros"
(1995/96), Tricerri e Rosset contracenavam, mas não se falavam
fora de cena. Ela saiu do grupo
brigada. Só fizeram as pazes para
valer há cerca de dois anos, quando conversaram sobre o novo
projeto.
Para quem já sobreviveu a um
terremoto no México (turnê de
"Ubu - Folias Physicas, Pataphysicas e Musicaes", 1986) ou teve
uma bomba explodida por extremistas religiosos na entrada de
um teatro na Colômbia ("Teledeum", 1988), não foi muito difícil
superar.
"Isso é normal. Eu e Maria Alice
[Vergueiro, co-fundadora do Ornitorrinco] quebramos o pau várias vezes. Acontece em qualquer
família", diz Rosset, sem revelar a
raiz do qüiproquó. "Foram 11
anos juntos, era um casamento
que precisava de um tempo", diz
Tricerri.
Em paralelo aos ensaios, ela organiza um livro sobre os 30 anos
do Teatro do Ornitorrinco, a serem completados em 2007, quando haverá outro espetáculo, ainda
não revelado. Quem escreve o livro é o jornalista Guy Corrêa. O
lançamento está previsto para o
segundo semestre.
Terceira via
"De certa maneira, o Ornitorrinco configurou uma terceira posição dentro do teatro brasileiro.
A gente nem é o teatrão, o comercial, o da superprodução, o dos
atores globais, nem o alternativo
de gueto, o que fala apenas para
um público específico, o teatro
comunista para comunistas, o
teatro católico para católicos, o
teatro gay para gays", diz Rosset.
Sobre sua performance televisiva dos últimos tempos, ele diz que
se sentia à vontade no bate-papo
semanal com Hebe Camargo,
Adriane Galisteu e Jorge Kajuru
no SBT ("Fora do Ar", programa
que durou seis meses em 2005).
"Àquela altura, quando o mensalão veio à tona, criticar o PT, originalmente um partido de esquerda, não era ser conservador, mas
realista", diz o ator, para quem o
Brasil do governo Lula se transformou "num grande vaudeville".
Atualmente, Rosset vive o papel
de comentarista esportivo no "Esporte Total", nas tardes da Band.
"Eu introduzi uma mexicanização no programa: sempre choro
quando o Corinthians perde."
Como no bordão de Pai Ubu, "Sei
lá, mil coisas".
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