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Crítica/música
Em dois lançamentos, Donato mostra novas formas de sua música
Improviso continua sendo a peça fundamental do pianista, que brinca e pensa com as infinitas possibilidades sonoras
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Há um conto do escritor
argentino Julio Cortázar inspirado no saxofonista Charlie Parker, chamado "O Perseguidor". De maneira simplificada, seu personagem diz que, no jazz, o tempo é
outro. Uma música de três minutos não tem apenas três minutos, mas o tempo de todas as
idéias contidas ali.
Música é harmonia, melodia
e ritmo. E música é o que você
sente quando ouve ou toca essa
harmonia, melodia e ritmo.
Com João Donato é assim: seu
piano te leva para dentro da
música, te mostra todas as possibilidades dela. É quase uma
metáfora da própria vida: a cada momento, tudo muda. Na
música de Donato, o improviso
é o mais importante. O que ele
sente naquele momento é o que
vira aquela música. A partir de
uma base, uma melodia, um tema, Donato passeia, improvisa,
mostra suas idéias, como um
fluxo de consciência registrado
em notas.
Ao colocar um disco de Donato para tocar na vitrola, conseguimos ouvir todos os seus
pensamentos, como diz ele
próprio. Quais serão e para onde irão esses pensamentos é algo que depende de cada um -e
do que cada um vai sentir ao
ouvir Donato. Como quando
ele se senta na frente do piano,
antes de saber o que vai sentir e
que notas vai escolher para expressar aquilo -as possibilidades são infinitas.
O que há em comum entre os
dois novos lançamentos de Donato é que ambos têm a forte
marca da improvisação, exatamente como é de sua natureza.
Em "O Piano...", sem ensaios
prévios ou segundos takes, Donato simplesmente deixa sua
memória resgatar músicas e sobre elas se deixa levar delicadamente ao piano. Há antigas
composições suas, como "Fim
de Sonho". Há novas composições suas, como "Ivone". Há
músicas que ouviu há muito em
antigos discos de jazz, como
"Paradise Found", do trompetista americano Shorty Rogers.
É um disco que se relaciona
com gravações clássicas de piano solo de músicos como Bill
Evans e Thelonious Monk,
muito pela personalidade musical de Donato, músico incomparável, de estilo particular.
Donato fez grandes discos em
vários formatos diferentes, mas
é uma delícia pela primeira vez
poder ouvi-lo assim, acompanhado apenas por si mesmo.
Exuberante em seu intimismo,
grandioso na delicadeza, ele sugere ritmos, revela harmonias,
vem e vai com melodias.
Já em "Tarde com Bud
Shank...", Donato mostra a liberdade que sente para ser ele
mesmo dentro de um clima
mais tradicionalmente jazzístico -e como insere discretamente neste clima suas influências brasileiras, latinas,
suingadas, melódicas. Tocam
standards americanos como
"But Not for Me" e "Night and
Day", tocam composições de
Donato como "Minha Saudade" e "Gaiolas Abertas". Completamente à vontade, Donato
brinca com as músicas, troca
idéias com Shank, juntos descobrem e nos mostram novas
possibilidades dentro de cada
uma daquelas melodias.
Porque, afinal, cada música
que Donato toca, assim como a
vida, é cheia de possibilidades.
(RONALDO EVANGELISTA)
O PIANO DE JOÃO DONATO
Artista: João Donato
Lançamento: Deckdisc
Quanto: R$ 30, em média
Avaliação: ótimo
UMA TARDE COM BUD SHANK E JOÃO DONATO
Artista: João Donato e Bud Shank
Lançamento: Biscoito Fino
Quanto: R$ 30, em média
Avaliação: ótimo
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