São Paulo, quarta-feira, 11 de abril de 2007

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Crítica/música

Em dois lançamentos, Donato mostra novas formas de sua música

Improviso continua sendo a peça fundamental do pianista, que brinca e pensa com as infinitas possibilidades sonoras

COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Há um conto do escritor argentino Julio Cortázar inspirado no saxofonista Charlie Parker, chamado "O Perseguidor". De maneira simplificada, seu personagem diz que, no jazz, o tempo é outro. Uma música de três minutos não tem apenas três minutos, mas o tempo de todas as idéias contidas ali.
Música é harmonia, melodia e ritmo. E música é o que você sente quando ouve ou toca essa harmonia, melodia e ritmo.
Com João Donato é assim: seu piano te leva para dentro da música, te mostra todas as possibilidades dela. É quase uma metáfora da própria vida: a cada momento, tudo muda. Na música de Donato, o improviso é o mais importante. O que ele sente naquele momento é o que vira aquela música. A partir de uma base, uma melodia, um tema, Donato passeia, improvisa, mostra suas idéias, como um fluxo de consciência registrado em notas.
Ao colocar um disco de Donato para tocar na vitrola, conseguimos ouvir todos os seus pensamentos, como diz ele próprio. Quais serão e para onde irão esses pensamentos é algo que depende de cada um -e do que cada um vai sentir ao ouvir Donato. Como quando ele se senta na frente do piano, antes de saber o que vai sentir e que notas vai escolher para expressar aquilo -as possibilidades são infinitas.
O que há em comum entre os dois novos lançamentos de Donato é que ambos têm a forte marca da improvisação, exatamente como é de sua natureza.
Em "O Piano...", sem ensaios prévios ou segundos takes, Donato simplesmente deixa sua memória resgatar músicas e sobre elas se deixa levar delicadamente ao piano. Há antigas composições suas, como "Fim de Sonho". Há novas composições suas, como "Ivone". Há músicas que ouviu há muito em antigos discos de jazz, como "Paradise Found", do trompetista americano Shorty Rogers.
É um disco que se relaciona com gravações clássicas de piano solo de músicos como Bill Evans e Thelonious Monk, muito pela personalidade musical de Donato, músico incomparável, de estilo particular. Donato fez grandes discos em vários formatos diferentes, mas é uma delícia pela primeira vez poder ouvi-lo assim, acompanhado apenas por si mesmo.
Exuberante em seu intimismo, grandioso na delicadeza, ele sugere ritmos, revela harmonias, vem e vai com melodias.
Já em "Tarde com Bud Shank...", Donato mostra a liberdade que sente para ser ele mesmo dentro de um clima mais tradicionalmente jazzístico -e como insere discretamente neste clima suas influências brasileiras, latinas, suingadas, melódicas. Tocam standards americanos como "But Not for Me" e "Night and Day", tocam composições de Donato como "Minha Saudade" e "Gaiolas Abertas". Completamente à vontade, Donato brinca com as músicas, troca idéias com Shank, juntos descobrem e nos mostram novas possibilidades dentro de cada uma daquelas melodias.
Porque, afinal, cada música que Donato toca, assim como a vida, é cheia de possibilidades. (RONALDO EVANGELISTA)

O PIANO DE JOÃO DONATO
Artista:
João Donato
Lançamento: Deckdisc
Quanto: R$ 30, em média
Avaliação: ótimo

UMA TARDE COM BUD SHANK E JOÃO DONATO
Artista:
João Donato e Bud Shank
Lançamento: Biscoito Fino
Quanto: R$ 30, em média
Avaliação: ótimo


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