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LIVROS
Crítica/"O Culto do Amador"
Obra ataca voz amadora na internet
O antigo "yuppie" do vale do Silício Andrew Keen resolve matar o pai e escrever sobre a irracionalidade e a imoralidade da rede
JOÃO PEREIRA COUTINHO
COLUNISTA DA FOLHA
A história da técnica é a
história das nossas histerias. Basta consultar
um manual de história e verificar o medo que nossos antepassados sentiram perante qualquer descoberta tecnológica: da
máquina a vapor à invenção da
telefonia sem fios, passando
pela TV e pela internet, cada
avanço traz um cortejo de apocalipses. Razão tinha Paulo
Francis, que em momentos de
maior acídia gostava de lembrar: "O cavalo já foi um erro".
Andrew Keen integra-se no
coro da histeria. Em "O Culto
do Amador", este antigo "yuppie" do vale do Silício resolve
matar o pai para denunciar a
imoralidade da internet. "Imoralidade"? Leram bem: a internet destrói o tecido moral das
nossas sociedades, a começar
pela busca desinteressada da
verdade e do bem. Num meio
onde toda a gente tem uma voz,
a verdade não se faz por discussão racional; mas por consenso.
Os motores de busca que todos usamos são a prova de que
"verdade" é tudo aquilo que os
internautas elegem como verdade. É assim que a Wikipedia
tem mais sucesso e autoridade
do que, por exemplo, a vetusta
"Encyclopaedia Britannica".
Mas não só. A internet, e o
culto do amadorismo que ela
promove, ameaça as instituições culturais que fizeram o
nosso mundo. Jornais, música,
literatura ou cinema estão sendo assaltados por milhões de
internautas que não respeitam
os direitos autorais e roubam
conteúdos sem um pingo de
vergonha.
Sem falar do resto:
exércitos de blogueiros em pijama que acreditam e professam um radical igualitarismo
de opiniões. Na cacofonia da internet, um Ph.D. de Harvard,
que passou os melhores anos da
sua vida enfiado em bibliotecas,
não tem mais valor intrínseco
do que um autodidata adolescente, que plagia ou inventa na
cave do seu subúrbio. Será possível suportar este assalto?
Keen sugere medidas destinadas a combater o monstro.
"Não roubarás", declara. "Não
plagiarás", acrescenta. E, pelo
meio, o assustado Keen defende a existência de autoridades
reguladoras que possam vigiar
e punir conteúdos do meio que
difamam ou assaltam a propriedade intelectual alheia. Tudo muito certo, muito sensato.
Formação clássica
Infelizmente, Keen se esquece do conselho mais importante de todos: a internet deve ser
um complemento da nossa vida
intelectual, e não o princípio
dela. A ignorância que a internet comporta; a sua intrínseca
boçalidade; a sua falta de valores éticos ou de conhecimentos
válidos só será um perigo para
quem procura na rede a fonte
principal das suas informações.
Não conheço nenhum jornalista sério que, para preparar
suas matérias, consulte a Wikipedia. O mesmo para qualquer
acadêmico digno de nome, que
jamais substituirá o contato direto com as fontes pela consulta de um blog.
Diferentemente do que Keen
escreve, a internet só é uma
ameaça para a nossa educação
tradicional se as pessoas se esquecerem da necessidade de
uma educação tradicional.
Se se esquecerem, no fundo,
de que, antes de ligar o computador, é necessário um sólido
conhecimento do que deve ser
feito, pesquisado e finalmente
encontrado.
Talvez por isso a existência
da internet torna mais necessária, e não menos, uma formação
clássica que proteja os indivíduos da ignorância das massas.
Nas mãos certas, a internet é
um instrumento poderoso e
útil. Nas mãos erradas, é como
qualquer pedaço de tecnologia:
uma ameaça destrutiva.
O problema não está na internet. Está, como sempre esteve ao longo da história, em nós.
O CULTO DO AMADOR
Autor: Andrew Keen
Tradução: Maria Luiza X. de A. Borges
Editora: Jorge Zahar
Quanto: R$ 39 (208 págs.)
Avaliação: regular
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