São Paulo, sábado, 11 de abril de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

RODAPÉ LITERÁRIO

Peixes na Pampulha

Freitas recorre à erudição em sua estreia no romance policial com "Peixe Morto", mas não de forma postiça

FÁBIO DE SOUZA ANDRADE
COLUNISTA DA FOLHA

COMO TODA cidade planejada, croquis e ideia antes de casas e ruas, Belo Horizonte foi cravada na paisagem mineira como um vetor de otimismo. Desde o princípio, seu tempo foi um agora acelerado em direção ao futuro, deixando o mundo das fazendas para trás.
A trama policial de "Peixe Morto", romance de estreia do poeta e professor de literatura da UFMG Marcus Freitas mostra como, em torno de uma lagoa artificial, a Pampulha, símbolo deste sonho de pureza urbana, as marcas da decadência precoce se precipitam num átimo. Falhas se convertem em culpas e, antes visionário e livre, o olhar estaca, forçado a retomar o diálogo com erros repetidos, ancestrais.
A fidelidade de Marcus Freitas à tópica do gênero -evidente desde a abertura em que o narrador, um historiador da biologia criacionista, é surpreendido no seu jogging matinal por um corpo boiando, estripado com cuidados de taxidermista, a boca mantida aberta à força, tomada por meia dúzia de acarás- é máxima. Alimentado a especulação imobiliária, estragos ambientais, sexo, poder e golpes financeiros, o suspense da trama é desvendado a partir da perspectiva do protagonista, empenhado em provar sua inocência no assassinato que envolve um empresário endinheirado, fazedor de políticos, e a mulher dele, mais jovem e sua aluna na universidade.
Entre os episódios que acompanham o narrador hora a hora, da descoberta do corpo ao desfecho do caso, capítulos intercalados introduzem grandes saltos temporais, retrospectivos. O leitor vê-se transportado a meados do século 19, estranhando e maravilhando-se com a terra brasileira aos olhos de naturalistas estrangeiros, Agassiz à frente, melancolicamente observadores, excluídos dos costumes locais. Seu olhar é o avesso do empenho transformador que a arquitetura de Niemeyer representa, um misto de nostalgia e conservacionismo imobilista, não fosse o empenho em colher evidências para refutar Darwin o moto de sua expedição.
Autor ele mesmo de um ensaio premiado sobre estas missões científicas do século 19 ("Hartt: Expedições pelo Brasil Imperial, 1865-1878"), Freitas não deixa de recorrer a outro traço constante, quase tique, do romance policial contemporâneo: a muleta da erudição.
No seu caso, contudo, ela não é postiça, antes funcional. Arma o contraponto entre dois ritmos e duas miragens, a vertigem urbana e a dilatação imemorial do tempo da natureza, no ritmo das chuvas e das sezões, ambos submetidos ao mesmo olhar vidrado, perplexo e insatisfeito, de homens que não sossegam nem cá e nem lá. Sem decepcionar os entusiastas do gênero do entretenimento sem pretensão, "Peixe Morto" também fisga os que se dispõem a matutar.


PEIXE MORTO

Autor: Marcus Freitas
Editora: Autêntica
Quanto: R$ 29 (208 págs.)
Avaliação: bom



Texto Anterior: Vitrine
Próximo Texto: Televisão: Atriz cega e macaco são novidades
da novela das 7

Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.