São Paulo, sexta-feira, 11 de maio de 2001

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Roberto reformula canções clássicas, e Erasmo investe em 11 composições inéditas

Roberto acústico, Erasmo elétrico

Separada, dupla mais fértil da história do pop nacional apresenta trabalhos divergentes

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
ENVIADO ESPECIAL AO RIO

A dupla mais fértil e rentável da história do pop nacional está por ora separada. E divergente.
Roberto Carlos, 60, acaba de gravar seu "Acústico MTV" para jovens, sem Rede Globo, Wanderléa ou Erasmo Carlos; Erasmo, 59, lança ao mesmo tempo "Pra Falar de Amor", que não chega a ser elétrico, mas se arrisca até por ocasionais loops eletrônicos.
Roberto reformula canções clássicas da dupla, de 30 e de 40 anos atrás; Erasmo investe em 11 inéditas, seis delas compostas solitariamente. Roberto mantém a rotina do disco todo ano; Erasmo não gravava havia cinco anos, não cantava inéditas desde 92.
Roberto restringiu convidados jovens -Samuel Rosa e Toni Bellotto- aos violões; Erasmo atraiu para parcerias Marisa Monte, Carlinhos Brown e Marcelo Camelo (Los Hermanos). Os amigos do neto de sete anos de Erasmo sabem que "Jesus Cristo" é de Roberto, mas nem suspeitam quem é Erasmo Carlos.
Roberto se recolheu nos dramas pessoais, mas nunca longe dos holofotes; Erasmo se guardou, simplesmente, à espera de que se lembrassem dele. Roberto mantém-se avesso às entrevistas sérias, Erasmo fala. Diga lá, então.

Folha - Por que você ficou tanto tempo afastado?
Erasmo Carlos -
Não é fácil, a indústria vai movendo você para outras coisas, oferecendo projetos. Só tenho feito regravações, então pensei: vou parar, dar um tempinho e ver o rumo das coisas.
Decidi na minha cabeça: não boto pé no estúdio se não for para gravar coisa inédita. Porque se não, vou virar o Johnny Mathis, vou virar cantor de Las Vegas, cover de mim mesmo. Esta é uma época meio perdida, as pessoas estão procurando não sabem o quê, fazendo barulho ou bobagem musicalmente.

Folha - "Quem Vai Ficar no Gol?" fala de um cara que fez uma música que o rádio não toca e o público não fica conhecendo. Acontece com você?
Erasmo -
É um problema. São problemas, cito sete na música, inclusive a corrupção. Preocupo-me com isso com otimismo, vejo que pelo menos a gente está sabendo.
Com 20 anos de regime militar, os políticos pararam de praticar política. Tanto a gente desaprendeu a saber das coisas como eles desaprenderam de mostrar, ou até de esconder. Isso, a médio ou longo prazo, é bom. O que está aí são vícios da política antiga, o pai ensinou ao filho. Que as novas gerações exerçam a profissão sem os vícios de antigamente.

Folha - Isso se aplica à MPB?
Erasmo -
Bom, do jeito que a indústria vai, não boto minha mão no fogo, não. Hoje em dia praticamente só acredito nos independentes. Só eles podem fazer música com vontade, criar realmente o que querem, porque não têm patrão para dar satisfação. Não reclamo de nada, só estou desabafando. Fazendo um balanço da sua vida, embora esteja satisfeito entre aspas, você vê que se tivesse liberdade total faria pelo menos mais 60% do que fez. Falo em termos de qualidade. O sucesso da jovem guarda, no início da nossa vida, foi diferente do dos Beatles. É diferente ser criado num país livre, onde se fala livremente. Aqui, não. Aqui o que a gente pensava que era liberdade era tão pouco, um cabelo grande, uma coisa tão boba, tão inocente sexualmente. No entanto causava aquele escândalo todo. Ninguém sabia o que era liberdade.

Folha - Você é hoje um compositor solitário?
Erasmo -
Roberto não estava num momento bom para assinar os meus temas do jeito que eu queria, então achamos melhor eu fazer sozinho. E eu estava fértil, louco para gravar inéditas. Mas pelo amor de Deus ponha aí que não é briga. Não é briga. A gente não briga, a gente se entende.

Folha - Os versos "não sirvo para ser a sombra do que você quer/ jogue a coleira fora/ não sou mais seu cão" não seriam para Roberto Carlos?
Erasmo -
Pô, você está chamando Roberto de veado (ri). Canto isso para uma mulher, bicho. É um personagem. Todo o pensamento de Roberto estava para aquele momento, jamais poderia assinar uma música como essa, que chama a mulher às claras. Mas eu posso. Já amei muito, mas hoje em dia, não. "Prova de Fogo" (67) também deu esse bochicho. Quando fiz, estava brigado com Roberto. Acharam que era para ele, "sei que você não é bobo/ porém seu reinado já chegou ao fim". Ih, caiu como uma luva, falava em reinado. Vieram com essa intenção. Nada disso.

Folha - Vocês não incentivam essa intenção indiretamente?
Erasmo -
Claro. Por isso é bom desmentir logo. Nunca ele me botou coleira, não tem essa.

Folha - Por que não há Erasmo no "Acústico MTV" do Roberto?
Erasmo -
Eu nem sei, bicho. Estou envolvido com meu disco, nem sei. Soube que está sendo agora porque meu filho pediu convites para ir com a namorada.

Folha - Suas inéditas terão que concorrer com "Detalhes"...
Erasmo -
Mas é tudo para o mesmo bolso (risos).

Folha - Você chegou a dizer que este seria um disco country.
Erasmo -
Olha, me propuseram isso. Isso fundiu a minha cuca, a palavra "country" me deu um bloqueio mental. O que faço até tem muita coisa de country, mas se disser "faça country" eu não vou fazer. Se disser "faça o que quiser", aí faço country, porque está na minha música. Fico imaginando a vida dos sertanejos como compositores. Não é possível que o cara não sinta um dia o desejo de fazer um samba...

Folha - Em 67 você afirmava que os jovens tinham um compromisso com a MPB, com o samba. Começou a trabalhar com Jorge Ben e daí surgiu o samba-rock. Qual foi sua importância para esse gênero?
Erasmo -
Voltou-se a se falar de samba-rock graças ao que chamo de geração dos filhos de artistas. Max de Castro e Wilson Simoninha estão fazendo esse estilo, chamando atenção de novo. Tem tudo para dar certo, se aparecerem bons letristas e boas músicas. Por enquanto eles ainda estão muito no som e pouco nas palavras. Tem que perder essa mentalidade. Mas Jorge Ben foi o primeiro que fez isso, não fui eu. Quando aprendi violão com Tim Maia, tocávamos bossa nova e rock. E de repente Jorge surgiu com o samba, mas com batida de rock. Samba-rock para mim é Jorge Ben.

Folha - Você disse que já amou muito e hoje não ama. Um autor que fala muito de amor não sai prejudicado com isso?
Erasmo -
Ah, mas está guardado dentro de mim amor para caramba. Foi o que fiz a vida inteira, estou carregadinho de amor. Não estou em liquidação, mas estou na praça (risos).

Folha - Seu novo disco é 60% inferior ao que podia ser?
Erasmo -
Mas aí, olha... Está sendo muito importante para mim, porque está me permitindo me adaptar às novas tecnologias. É um escape, eu estava louco para tocar no rádio uma música nova. As novas gerações não me conhecem mais. Meus netos só me conhecem porque são meus netos. Isso faz parte de um todo, é bom ouvir tocando no rádio, a pessoa passar assoviando. É bom para o ego do artista, para a segurança dele. Artista sem isso não vive.


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