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Roberto reformula canções clássicas, e Erasmo investe em 11 composições inéditas
Roberto acústico, Erasmo elétrico
Separada, dupla mais fértil da história do pop nacional apresenta trabalhos divergentes
PEDRO ALEXANDRE SANCHES
ENVIADO ESPECIAL AO RIO
A dupla mais fértil e rentável da
história do pop nacional está por
ora separada. E divergente.
Roberto Carlos, 60, acaba de
gravar seu "Acústico MTV" para
jovens, sem Rede Globo, Wanderléa ou Erasmo Carlos; Erasmo, 59,
lança ao mesmo tempo "Pra Falar
de Amor", que não chega a ser
elétrico, mas se arrisca até por
ocasionais loops eletrônicos.
Roberto reformula canções
clássicas da dupla, de 30 e de 40
anos atrás; Erasmo investe em 11
inéditas, seis delas compostas solitariamente. Roberto mantém a
rotina do disco todo ano; Erasmo
não gravava havia cinco anos, não
cantava inéditas desde 92.
Roberto restringiu convidados
jovens -Samuel Rosa e Toni Bellotto- aos violões; Erasmo
atraiu para parcerias Marisa
Monte, Carlinhos Brown e Marcelo Camelo (Los Hermanos). Os
amigos do neto de sete anos de
Erasmo sabem que "Jesus Cristo"
é de Roberto, mas nem suspeitam
quem é Erasmo Carlos.
Roberto se recolheu nos dramas
pessoais, mas nunca longe dos
holofotes; Erasmo se guardou,
simplesmente, à espera de que se
lembrassem dele. Roberto mantém-se avesso às entrevistas sérias, Erasmo fala. Diga lá, então.
Folha - Por que você ficou tanto
tempo afastado?
Erasmo Carlos - Não é fácil, a indústria vai movendo você para
outras coisas, oferecendo projetos. Só tenho feito regravações,
então pensei: vou parar, dar um
tempinho e ver o rumo das coisas.
Decidi na minha cabeça: não
boto pé no estúdio se não for para
gravar coisa inédita. Porque se
não, vou virar o Johnny Mathis,
vou virar cantor de Las Vegas, cover de mim mesmo. Esta é uma
época meio perdida, as pessoas
estão procurando não sabem o
quê, fazendo barulho ou bobagem musicalmente.
Folha - "Quem Vai Ficar no Gol?"
fala de um cara que fez uma música
que o rádio não toca e o público
não fica conhecendo. Acontece
com você?
Erasmo - É um problema. São
problemas, cito sete na música,
inclusive a corrupção. Preocupo-me com isso com otimismo, vejo
que pelo menos a gente está sabendo.
Com 20 anos de regime militar,
os políticos pararam de praticar
política. Tanto a gente desaprendeu a saber das coisas como eles
desaprenderam de mostrar, ou
até de esconder. Isso, a médio ou
longo prazo, é bom. O que está aí
são vícios da política antiga, o pai
ensinou ao filho. Que as novas gerações exerçam a profissão sem os
vícios de antigamente.
Folha - Isso se aplica à MPB?
Erasmo - Bom, do jeito que a indústria vai, não boto minha mão
no fogo, não. Hoje em dia praticamente só acredito nos independentes. Só eles podem fazer música com vontade, criar realmente o
que querem, porque não têm patrão para dar satisfação. Não reclamo de nada, só estou desabafando. Fazendo um balanço da
sua vida, embora esteja satisfeito
entre aspas, você vê que se tivesse
liberdade total faria pelo menos
mais 60% do que fez. Falo em termos de qualidade. O sucesso da
jovem guarda, no início da nossa
vida, foi diferente do dos Beatles.
É diferente ser criado num país livre, onde se fala livremente. Aqui,
não. Aqui o que a gente pensava
que era liberdade era tão pouco,
um cabelo grande, uma coisa tão
boba, tão inocente sexualmente.
No entanto causava aquele escândalo todo. Ninguém sabia o que
era liberdade.
Folha - Você é hoje um compositor solitário?
Erasmo - Roberto não estava
num momento bom para assinar
os meus temas do jeito que eu
queria, então achamos melhor eu
fazer sozinho. E eu estava fértil,
louco para gravar inéditas. Mas
pelo amor de Deus ponha aí que
não é briga. Não é briga. A gente
não briga, a gente se entende.
Folha - Os versos "não sirvo para
ser a sombra do que você quer/ jogue a coleira fora/ não sou mais seu
cão" não seriam para Roberto Carlos?
Erasmo - Pô, você está chamando Roberto de veado (ri). Canto
isso para uma mulher, bicho. É
um personagem. Todo o pensamento de Roberto estava para
aquele momento, jamais poderia
assinar uma música como essa,
que chama a mulher às claras.
Mas eu posso. Já amei muito, mas
hoje em dia, não. "Prova de Fogo"
(67) também deu esse bochicho.
Quando fiz, estava brigado com
Roberto. Acharam que era para
ele, "sei que você não é bobo/ porém seu reinado já chegou ao
fim". Ih, caiu como uma luva, falava em reinado. Vieram com essa
intenção. Nada disso.
Folha - Vocês não incentivam essa intenção indiretamente?
Erasmo - Claro. Por isso é bom
desmentir logo. Nunca ele me botou coleira, não tem essa.
Folha - Por que não há Erasmo no
"Acústico MTV" do Roberto?
Erasmo - Eu nem sei, bicho. Estou envolvido com meu disco,
nem sei. Soube que está sendo
agora porque meu filho pediu
convites para ir com a namorada.
Folha - Suas inéditas terão que
concorrer com "Detalhes"...
Erasmo - Mas é tudo para o mesmo bolso (risos).
Folha - Você chegou a dizer que
este seria um disco country.
Erasmo - Olha, me propuseram
isso. Isso fundiu a minha cuca, a
palavra "country" me deu um
bloqueio mental. O que faço até
tem muita coisa de country, mas
se disser "faça country" eu não
vou fazer. Se disser "faça o que
quiser", aí faço country, porque
está na minha música. Fico imaginando a vida dos sertanejos como
compositores. Não é possível que
o cara não sinta um dia o desejo
de fazer um samba...
Folha - Em 67 você afirmava que
os jovens tinham um compromisso
com a MPB, com o samba. Começou
a trabalhar com Jorge Ben e daí
surgiu o samba-rock. Qual foi sua
importância para esse gênero?
Erasmo - Voltou-se a se falar de
samba-rock graças ao que chamo
de geração dos filhos de artistas.
Max de Castro e Wilson Simoninha estão fazendo esse estilo, chamando atenção de novo. Tem tudo para dar certo, se aparecerem
bons letristas e boas músicas. Por
enquanto eles ainda estão muito
no som e pouco nas palavras.
Tem que perder essa mentalidade. Mas Jorge Ben foi o primeiro
que fez isso, não fui eu. Quando
aprendi violão com Tim Maia, tocávamos bossa nova e rock. E de
repente Jorge surgiu com o samba, mas com batida de rock. Samba-rock para mim é Jorge Ben.
Folha - Você disse que já amou
muito e hoje não ama. Um autor
que fala muito de amor não sai prejudicado com isso?
Erasmo - Ah, mas está guardado
dentro de mim amor para caramba. Foi o que fiz a vida inteira, estou carregadinho de amor. Não
estou em liquidação, mas estou na
praça (risos).
Folha - Seu novo disco é 60% inferior ao que podia ser?
Erasmo - Mas aí, olha... Está sendo muito importante para mim,
porque está me permitindo me
adaptar às novas tecnologias. É
um escape, eu estava louco para
tocar no rádio uma música nova.
As novas gerações não me conhecem mais. Meus netos só me conhecem porque são meus netos.
Isso faz parte de um todo, é bom
ouvir tocando no rádio, a pessoa
passar assoviando. É bom para o
ego do artista, para a segurança
dele. Artista sem isso não vive.
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