São Paulo, sexta-feira, 11 de maio de 2001

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TEATRO

Elenco de "Esplêndidos", de Jean Genet, tem vitalidade desmedida

KIL ABREU
CRÍTICO DA FOLHA

Enquanto viveu, Jean Genet nunca permitiu a representação de "Esplêndidos", nem mesmo à força do lobby de Sartre, que considerava a peça melhor que "As Criadas", por exemplo. Embora a ambiguidade esteja entre os temas mais visitados pelo autor, não se pode dizer que Genet teve a mesma tolerância no momento de assumir o texto, um misto de realismo e estilização perversa do real.
Em "Esplêndidos" é a perspectiva do fracasso e da morte o motor da ação dramática. Em um hotel de luxo, os membros da Rajada -um grupo de bandidos transformados pela mídia em perigosa quadrilha- esperam encurralados a ação da polícia, depois do estrangulamento da filha de um poderoso milionário.
Nos momentos que antecedem a escalada policial, Scott, Jean, Riton, Rajada, Bravo, Bob, Pierrot e um tira que se junta voluntariamente ao grupo fazem da situação-limite o palco para o teste das relações de poder e troca de papéis.
Os personagens, ligados por provocações mútuas e simulações do desejo, vivem o pesadelo (ou sonho) de fantasias e jogos de atuação que desvelam características até então segredadas.

Meditação sui generis
Frente à perspectiva do malogro, são levados a um tipo de meditação sui generis sobre a identidade. Salvam antes de tudo a si mesmos, redimindo-se na libertação de papéis sociais carregados como cruzes.
No mundo de Genet, pautado por uma espécie de ascetismo às avessas em que o homem glorifica-se na representação proibida de seu contrário, há lugar, por exemplo, para o policial (Ângelo Paes Leme) que adere à bandidagem movido pela vontade de inverter o papel que representa na ordem burguesa.
O mesmo vale para o líder, Jean, que, destituído do poder por insistir em uma saída sensata frente a uma situação insana, será travestido em trágico ritual -o melhor momento do espetáculo.
A montagem dirigida por Daniel Herz tem o problema de ler com certa obviedade elementos que na dramaturgia indicam apelo mais ontológico que factual. As relações hierárquicas de submissão e a idéia de sacralidade, manchada por certo erotismo obsceno, são metaforizadas em imagens que confundem ritualismo com mero formalismo.
O elenco é valente, mas sofre em sua vitalidade desmedida e valoriza pouco as nuanças de um texto que oferece possibilidades interpretativas mais complexas que as que são levadas à cena.
Oberdan Junior chapa em tom cem por cento exaltado a influência de Bravo sobre o grupo. André Paes Leme esforça-se em cumprir a covardia fundamental do tira que representa, mas fica à margem do conflito de identidade sob o qual ele caminha.
O contraponto é Nelson Xavier (Scott), que faz coincidir, deliberadamente ou não, o naturalismo das falas com a frieza lógica do personagem.
Alguns recursos essenciais à cena dispersam o andamento. O "off" da voz que vem do rádio é o mais importante deles. O rádio que potencializa uma segunda ou terceira forma de representação -é a ponte para o ambiente externo ao drama da quadrilha. Costura com interferências precisas todo o texto e mobiliza as principais curvas do enredo. Na montagem, porém, soa inverossímil.
Já a cenografia de Ronald Teixeira e a iluminação de Aurélio de Simoni pactuam na idéia de ampliação da cena rumo ao público. Os espelhos nas portas e paredes do hotel incorporam a platéia, afirmada como elemento indissociável da representação.
Deformações involuntárias confundem-se com aquelas que evoluem no palco e convidam a glorificar, na religiosidade invertida de Genet, a infâmia, o malogro e a covardia.



Esplêndidos
  
Texto: Jean Genet
Tradução: Antônio Monteiro Guimarães e Ângelo Paes Leme
Direção: Daniel Herz
Com: Nelson Xavier, Ângelo Paes Leme, Oberdan Junior e outros
Onde: Centro Cultural São Paulo - sala Jardel Filho (r. Vergueiro, 1.000, Paraíso, tel. 0/xx/11/3277-3611, r. 250)
Quando: sex. e sáb, às 21h30; dom, às 20h30
Quanto: R$ 12




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