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TEATRO
Elenco de "Esplêndidos", de Jean Genet, tem vitalidade desmedida
KIL ABREU
CRÍTICO DA FOLHA
Enquanto viveu, Jean Genet
nunca permitiu a representação de "Esplêndidos", nem mesmo à força do lobby de Sartre, que
considerava a peça melhor que
"As Criadas", por exemplo. Embora a ambiguidade esteja entre
os temas mais visitados pelo autor, não se pode dizer que Genet
teve a mesma tolerância no momento de assumir o texto, um
misto de realismo e estilização
perversa do real.
Em "Esplêndidos" é a perspectiva do fracasso e da morte o motor
da ação dramática. Em um hotel
de luxo, os membros da Rajada
-um grupo de bandidos transformados pela mídia em perigosa
quadrilha- esperam encurralados a ação da polícia, depois do
estrangulamento da filha de um
poderoso milionário.
Nos momentos que antecedem
a escalada policial, Scott, Jean, Riton, Rajada, Bravo, Bob, Pierrot e
um tira que se junta voluntariamente ao grupo fazem da situação-limite o palco para o teste das
relações de poder e troca de papéis.
Os personagens, ligados por
provocações mútuas e simulações
do desejo, vivem o pesadelo (ou
sonho) de fantasias e jogos de
atuação que desvelam características até então segredadas.
Meditação sui generis
Frente à perspectiva do malogro, são levados a um tipo de meditação sui generis sobre a identidade. Salvam antes de tudo a si
mesmos, redimindo-se na libertação de papéis sociais carregados
como cruzes.
No mundo de Genet, pautado
por uma espécie de ascetismo às
avessas em que o homem glorifica-se na representação proibida
de seu contrário, há lugar, por
exemplo, para o policial (Ângelo
Paes Leme) que adere à bandidagem movido pela vontade de inverter o papel que representa na
ordem burguesa.
O mesmo vale para o líder, Jean,
que, destituído do poder por insistir em uma saída sensata frente
a uma situação insana, será travestido em trágico ritual -o melhor momento do espetáculo.
A montagem dirigida por Daniel Herz tem o problema de ler
com certa obviedade elementos
que na dramaturgia indicam apelo mais ontológico que factual. As
relações hierárquicas de submissão e a idéia de sacralidade, manchada por certo erotismo obsceno, são metaforizadas em imagens que confundem ritualismo
com mero formalismo.
O elenco é valente, mas sofre em
sua vitalidade desmedida e valoriza pouco as nuanças de um texto
que oferece possibilidades interpretativas mais complexas que as
que são levadas à cena.
Oberdan Junior chapa em tom
cem por cento exaltado a influência de Bravo sobre o grupo. André
Paes Leme esforça-se em cumprir
a covardia fundamental do tira
que representa, mas fica à margem do conflito de identidade sob
o qual ele caminha.
O contraponto é Nelson Xavier
(Scott), que faz coincidir, deliberadamente ou não, o naturalismo
das falas com a frieza lógica do
personagem.
Alguns recursos essenciais à cena dispersam o andamento. O
"off" da voz que vem do rádio é o
mais importante deles. O rádio
que potencializa uma segunda ou
terceira forma de representação
-é a ponte para o ambiente externo ao drama da quadrilha.
Costura com interferências precisas todo o texto e mobiliza as
principais curvas do enredo. Na
montagem, porém, soa inverossímil.
Já a cenografia de Ronald Teixeira e a iluminação de Aurélio de
Simoni pactuam na idéia de ampliação da cena rumo ao público.
Os espelhos nas portas e paredes
do hotel incorporam a platéia,
afirmada como elemento indissociável da representação.
Deformações involuntárias
confundem-se com aquelas que
evoluem no palco e convidam a
glorificar, na religiosidade invertida de Genet, a infâmia, o malogro
e a covardia.
Esplêndidos
Texto: Jean Genet
Tradução: Antônio Monteiro Guimarães
e Ângelo Paes Leme
Direção: Daniel Herz
Com: Nelson Xavier, Ângelo Paes Leme,
Oberdan Junior e outros
Onde: Centro Cultural São Paulo - sala
Jardel Filho (r. Vergueiro, 1.000, Paraíso,
tel. 0/xx/11/3277-3611, r. 250)
Quando: sex. e sáb, às 21h30; dom, às
20h30
Quanto: R$ 12
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