São Paulo, quinta-feira, 11 de maio de 2006

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CRÍTICA/EXPOSIÇÃO

Oportunismo e demagogia marcam mostra de Mourão

FABIO CYPRIANO
DA REPORTAGEM LOCAL

Em momentos de crise social ou política, a arte costuma criar as imagens que melhor representam tais situações. "Guernica" (1937), de Pablo Picasso (1881-1973), por exemplo, tornou-se a imagem mais contundente do bombardeio à cidade basca que matou 1.654 pessoas. Sem tal obra, o ocorrido em "Guernica" talvez fosse uma citação em livros de história.
Entretanto a permanência desta obra de Picasso não ocorre por ser a mera ilustração de uma desgraça, mas porque a obra em si representa de fato um dos marcos na carreira do pintor espanhol. O imenso painel concentra algumas das principais características do cubismo de Picasso, além de conter novos experimentos que iriam se desdobrar em suas próximas obras, como defende Meyer Schapiro no texto "Guernica: Fontes, Mudanças".
No Brasil, em um de seus períodos mais agudos, a ditadura militar iniciada em 1964 também levou artistas plásticos a criarem imagens que vão muito além de ilustrações. Antonio Dias, Rubens Gerchman e Cláudio Tozzi, entre outros, apropriaram-se da estética pop para abordar temas como tortura e censura. Também Cildo Meireles, com "Zero Dólar", por exemplo, tratou da precariedade do circuito e da dependência dos Estados Unidos.
"Luladepelúcia", obra do artista carioca Raul Mourão, anseia ser a imagem do momento atual, mas se transformou mais em um trabalho com forte apelo midiático do que em uma obra que consegue reunir reflexão artística e crítica social, como um "Guernica" ou um "Zero Dólar".
Criado, segundo o próprio artista, antes mesmo da crise, o trabalho visava abordar o caráter "paz e amor" utilizado na campanha eleitoral e foi visto pela primeira vez como uma ampliação fotográfica de um boneco de Lula em pelúcia na fachada da galeria Vermelho, em outubro de 2005, no auge da crise provocada por Roberto Jefferson.
Durante essa primeira exposição, e por conta da crise, a obra se tornou a metáfora de um presidente manietado, sem ação, um boneco entre denúncias de corrupção. Aí, o "Luladepelúcia" alcançava um caráter irônico, satírico. Poderia ter ficado aí.
A partir de então, contudo, Mourão utilizou-se do apelo midiático da obra, criando múltiplos bonecos, expostos no Rio de Janeiro, que chegaram a São Paulo, na galeria Oeste, presos em caixas, "Caixa 1", "Caixa 2" e "Caixa 10", e em novas imagens, como um pingüim de geladeira, com o nariz que parece de Pinóquio, ou um anão de jardim, referência banal à CPI dos Anões. Com isso, a nova série radicalizou o caráter de ilustração da crise abandonando desdobramentos artísticos.
Uma outra série, também exibida na mostra, é constituída por imagens virtuais de tais facetas de Lula, que Mourão enviou para outros artistas, pedindo que façam intervenções. Marco Gianotti, por exemplo, pinta uma faca no pescoço do boneco. A arte, em "Luladepelúcia e Outras Coisas", está no mesmo nível da política nacional. O oportunismo e a demagogia são suas principais características .
Luladepelúcia e Outras Coisas
Quando: de ter. a sex., das 12h às 20h; sáb., das 10h às 15h; até 3/6 Onde: galeria Oeste (r. Mateus Grou, 618, SP, tel. 0/xx/11/3815-9889) Quanto: entrada franca

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