São Paulo, domingo, 11 de maio de 2008

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Mônica Bergamo

bergamo@folhasp.com.br

Ana Ottoni

Lineu vai ao teatro

Marco Nanini já passou pela "forte aliada" que é a juventude e, às vésperas dos 60 anos, diz que é "um homem ficando velho" - mas ainda em cena: no teatro, está em "O Bem-Amado"; na TV, em "A Grande Família"

AUDREY FURLANETO

"A juventude é uma aliada forte. Quando você tem 20 e poucos anos... ah, a vida é mais confortável. Eu tinha duas calças, duas camisas, três cuecas. Lavava eu mesmo uma e usava a outra. E tudo isso, assim, era muito confortável." Às vésperas de completar 60 anos, Marco Nanini se diz agora "um homem ficando velho e cheio de manias".

 

Ator de 35 peças, 17 filmes e 14 novelas (entrou na TV Globo em 1968), Nanini estreou em SP "O Bem-Amado" -sob críticas de que faz, no palco, uma "TV ao vivo". "Há, às vezes, um preconceito com o ator que faz televisão, mas eu faço teatro antes de fazer TV. E já tô meio calejado", conclui, rindo. Nanini está no ar há nove anos com "A Grande Família", em que é Lineu, marido de Nenê. "O que eu posso fazer? Me matar? Matar o Lineu? Não posso fazer nada!"
 

Nanini e seu Lineu foram parar nas telas de cinema e ajudaram a fazer do longa "A Grande Família" um dos filmes nacionais mais bem-sucedidos em 2007: fez 2 milhões de espectadores -perto dos 2,4 milhões de "Tropa de Elite". O sucesso de "A Grande...", aliás, ainda não se repetiu em 2008: o público para filmes nacionais caiu 24% de 2007 para 2008, no primeiro trimestre. "É normal. Temos muitas ofertas, não só do cinema estrangeiro, mas dentro dos próprios filmes nacionais", diz.
 

Às três da tarde de uma sexta-feira em SP -ele passa as segundas, terças e quartas no Rio para gravar a série da Globo-, Nanini precisa ir ao cabeleireiro. "Não posso cortar muito, por causa do Lineu", diz. "Vamos lá", chama Renato, cabeleireiro de Lineu, ops!, Nanini há 15 anos, num prédio da avenida Paulista com a alameda Casa Branca, perto do apartamento paulista do ator.
 

Ao contrário de Lineu, Odorico Paraguaçu, o prefeito corrupto de "O Bem-Amado", usa uma peruca em tom acaju, com alguns fios brancos aparecendo; um anel de ouro que o ator ganhou do designer Antônio Bernardo; e um relógio suíço. "Ele tem uma personalidade muito própria", diz.
 

"É um exemplo de mau político." Mas Nanini não quer saber de apontar os "maus políticos". Só os que considera bons. Gosta de Cristovam Buarque (PDT-DF). "Também tenho acompanhado o Ciro Gomes." Votou em Lula em 2002 e diz que o governo "tem coisas interessantes, mas tem coisas assustadoras". Em 2005, disse que o ministro Gilberto Gil (Cultura) "não gosta de teatro". "Não falo mais disso."
 

Seu espetáculo é beneficiado pela Lei Rouanet. Tem autorização para captar R$ 1,6 milhão e já conseguiu patrocínio do banco Bradesco. "Falta uma política de Estado para dar espaço para todo mundo, os globais, os não-globais, os que são de teatro, os que são de Globo... Mas a gente tem um ministério que ganha 1% do orçamento. Enquanto for assim, vamos acabar como ratos, atacando uns aos outros, por causa das migalhas."
 

Às cinco da tarde, Nanini segue para o teatro. "Essa letra tá muito pequenininha. Tô sem óculos", diz, esticando o texto para longe dos olhos. A primeira vez em que esteve num palco foi aos 13 anos. "Tinha que ler uma epístola na igreja. A gente se reunia num anexo para ensaiar essa coisa da voz e, do lado, tinha um grupo de teatro infantil. Acabei fazendo um papel." Depois, entrou na Escola Nacional de Teatro. "Eu não podia ter muitos sonhos. Era o que viesse. Sobrevivência. Como saí do meu emprego no banco, tive que viver tudo", diz.
Solteiro, sem filhos e com quatro cachorros, Nanini já teve 14 gatos na casa da Lagoa, no Rio, e se desfez de todos eles. "A coisa mais esquisita da casa sou eu", diz, no apartamento em SP, onde vivem bromélias na varanda e orquídeas na sala. Lá, assistiu a CPIs, ouviu discursos de políticos, leu sobre Fidel Castro e Che Guevara -tudo para a pesquisa de Odorico.
 

"A parte mais difícil pra mim é a de fazer: o ensaio, se expor, pagar mico... Você vai ter que dar a forma que você imaginou e nunca sai direito. Depois, chega o convidado que faltava: o público. Quando tudo funciona, você começa a se espalhar pela fantasia, acreditar que você é aquela pessoa", diz.
 

E completa: "A parte que eu mais gosto do trabalho é a pesquisa. Se pudesse, faria só a pesquisa. Porque, nessa hora, a fantasia fica muito mais livre. Pode tudo. Você pode dizer: "Agora, ele vai voar!". Chega a hora de fazer, começam a vir todas as restrições". São nove horas da noite de sexta-feira, "o convidado que faltava" já lota a platéia e Nanini atravessa o palco para a "hora de fazer".


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