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ARNALDO JABOR
Profetas políticos clamam: "Ai de ti, Brasil!"
Ai de ti, Brasil! (Só me resta
parafrasear o célebre texto de
Rubem Braga, prevendo o fim
de Copacabana). Ai de ti, Brasil! Eu te mandei o sinal e não
recebeste, eu te avisei e tu me
ignoraste, ajeitando o brinco,
displicente como uma prostituta! Ai de ti! Eu te analisei com o
fervor romântico durante sete
anos e riste de mim, de modo
que só me resta o anátema, a
maldição. Ai de ti, Brasil!... Eu
já vejo os sinais de tua perdição, os albores de tua tragédia
de fim-de-século, como sarças
de fogo, onde queimarás.
Ai de vós, gargalhadas infinitas que ecoam com mil dentes
brancos nas revistas coloridas,
nas colunas sociais, pois virareis um pranto convulsivo.
Malditos sejam esses sorrisos
que visam a esconder a depressão, pois hoje em dia a tristeza
não é "comercial"; vossos risos
são cínicos, de triunfo, de orgulho por um narcisismo feio, sem
motivo, porque sois deselegantes, tronchos, mal vestidos.
De que rides? Rides para demonstrar felicidade e sucesso,
quando eu sei de vossas cavas
angústias intramuros, vossos
quartos de dormir onde moram
o desamor e o egoísmo burro,
sei de vossas histéricas mulheres, frígidas e desamparadas,
de vossas ejaculações precoces,
de vossa incapacidade de
amar, de vossos chifres, sei dos
Ricardões que vivem de vossas
peruas, sei de vossos grossos
prazeres, sei que almejais a ignorância por opção ideológica,
para que nenhuma idéia toque
vossas almas devotadas profundamente ao superficial, para que nenhum conceito novo,
nenhum quadro, nenhum verso, nenhum sentimento complexo ofusquem vossos biribas,
desfaçam vossos penteados,
vossos "leopoldos" dos jantares
sem fim.
Ai de vós, dentes brancos e lábios debochados, pois vossos risos apodrecerão, depois de consumirem toneladas de camarões em cascata e de frios "profiteroles".
Ai de ti, cafajeste financeiro,
que se orgulha do crime como
esperteza e que, numa hábil
manobra, transforma o roubo
em jogada, em operação contábil, vira a predação do dinheiro
público em artes de espadachim; malditos sejam os que
transformam informação privilegiada em consultoria, "insider" em dica e que acumulam
milhões sem nada produzir,
apenas para desfilar em Miami
de bermudas cor-de-rosa e gargalhar com amantes em sinistros restaurantes.
Vossa idéia de felicidade é a
exclusão da dúvida, da dor do
mundo, da idéia de "trabalho",
vossa idéia de felicidade é banir o inconsciente e as conquistas da civilização. Vós almejais
entrar na mídia como náufragos na arca de Noé; vendeis tudo, fazeis qualquer coisa para
sair do anonimato; vossas bundas, seios, bocas, poltronas,
louças, diamantes são expostos
à inveja pública para emergires
em uma piscina ou no programa da Hebe.
Descobristes que não é preciso
estudo, esforço; basta aparecer
na revista e estareis salvos. A
ilha de "Caras" é vossa utopia.
Vossa idéia de felicidade é uma
imitação em "papier-maché"
da corte de Luís 14.
Quando a princesa Carolina
se rebelou contra Chiquinho
Scarpa, a hiperperua contra o
velho playboy, a falsa aristocrata contra a falsa burguesia,
eu vi que era chegado o sinal. A
grande punição está a caminho. Ai de vós, proprietários
orgulhosos de peixes de murano, elefantes de prata, vasos
ming falsos e móveis "catete-gótico" e Luís 15-Itaim. Malditos sejam vossos "leggings",
vossas bolsas Chanel, vossas
gargantilhas de pérolas.
Vós não precisais de sátira,
pois sois a autocaricatura encarnada. Não conheceis a história dos ridículos? Nunca vistes Fellini, Hoggarth, Daumier,
nunca lestes Flaubert ou ao
menos Pitigrilli? Vós vos pensais eternos e quereis nos convencer de que sois a natureza
humana, de que tudo sempre
foi assim mesmo, neste mundo
iluminado por vossa cafajestice. Sei que não adianta vos
amaldiçoar, pois nunca mudareis, a não ser pela morte, a
guerra ou a catástrofe social.
Pois esse dia está chegando.
Já vejo Brasília com suas torres
brancas apontando sobre o
mar de lama que fecundará o
cerrado, já vejo a grande São
Paulo inundada pela periferia,
tropas de rappers invadindo os
Jardins e cobrando pedágio para vossas Mercedes. Escondidos
atrás das cercas elétricas ou fugindo para Miami, vereis então
o que fizestes com o país, com
vossa persistente falta de vergonha.
Ai de ti, Brasil! Malditos sejam nossos roubos seculares
que provocam CPIs recorrentes, mas malditas sejam também as CPIs que visam a limpar ladrões que as convocam e
nos fazem esquecer crimes antigos, malditos palhaços e demagogos, que viram as CPIs em
shows melodramáticos diante
da TV. Malditas CPIs que visam a substituir as reformas de
que o país precisa, pela busca
dos detalhes do óbvio e do já
sabido.
Mas, também, benditas CPIs
que nos brindam com "nicolaus" e "cacciolas", nos educando na saga da sordidez. Ai
de vós, tecnocratas "pitbulls"
com coração de pedra, que não
tendes pudor de roubar um
país de famintos e miseráveis.
Mas eles se desentocarão, e seus
trapos sujos brilharão mais que
vossas gravatas Armani e vossos ternos de microfibra.
Nunca o Brasil esteve tão perto de melhorar e tão malparado pela ausência de projetos,
porque vós, filhos de Caim, vós
não permitistes mudança alguma, reforma alguma, com vossas perpétuas sabotagens, vossa inércia, vossos seculares gestos de bloqueio ao progresso. Ai
dos que afirmam amar a democracia apenas porque ela, mais
leniente, permite no Brasil todas as canalhices impunes. Ai
de ti também, FHC, que, por
falta de paixão, deixaste nossa
maior chance histórica virar
uma sopa fria...
E ai de vós, artistas e intelectuais que não protestais contra
esse alarmante estado de coisas
-sereis engolidos por pagodeiros e chanchadas e sangrentos
best sellers imbecis. Ai de ti,
academia, que tens nojo do
"capitalismo fetichista" e não
metes a mão na ("helás") merda...
A ira de Deus não vai tardar.
O Brasil está fadado a ser não
um Canadá, nem uma África,
mas certamente um grande
Porto Rico, uma charada sem
rumo, no eterno pêndulo entre
o liberalismo oligárquico e o
populismo oportunista.
Canta, Brasil, canta tua última canção! Vai, Brasil, canta e
dança na boquinha da garrafa,
na boquinha do século 21...
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