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MÚSICA
Banda aborda, no sexto disco de estúdio, temas como o enfrentamento do mundo real e o estrelato indesejado
Em "Hail", Radiohead recusa isolamento
JON PARELES
DO "NEW YORK TIMES"
Às vezes, o que é mais assustador vira realidade. É essa a
certeza desconsoladora que percorre o sexto álbum do Radiohead gravado em estúdio, "Hail to
the Thief".
Ao longo dos prósperos e tumultuados anos 1990, o Radiohead era do contra. A banda aplicava suas melodias exaltadas a
canções de alienação e maus augúrios, com Thom Yorke cantando sobre vigilância e despersonalização, sobre enfrentar figuras estranhas e assustadoras ou ser uma
delas, tudo isso na voz marcada e
frágil de um menino de coral que
foi vítima de abusos.
O Radiohead subvertia sua
grandeza roqueira britânica própria com imagens áridas e contundentes e correntezas subjacentes de dissonância e ruído. E encontrou ouvintes dispostos não apenas a acompanhar suas canções, mas também a refletir sobre
elas. Aliás, o que começou como
um grupinho pequeno e fechado
de ouvintes acabou virando um
público de massa.
A banda desafiou sua própria
popularidade ao se voltar para
dentro com "Kid A" e "Amnesiac", os dois álbuns que produziu
durante uma fase prolongada de
experimentos feitos em estúdio
durante 1999 e 2000. Mas as palavras de ordem de "Hail to the
Thief" estão escondidas no meio
de "I Will", balada que fala do esconder-se num bunker subterrâneo, quando Yorke canta "encontro o mundo real ao sair de minha
casca".
"Hail to the Thief" chega em
meio a uma enxurrada de palavras. A pintura da capa do álbum
é repleta de palavras não inteiramente aleatórias e, em muitos casos, ameaçadoras, entre elas medo, perigo, segurança, TV, Deus,
carne bovina, armado, pobre, internet, drogas e "donut".
A enxurrada de palavras em
"Hail to the Thief", além das letras
das canções, não é um exemplo de
poesia de geladeira, de arte roqueira. É um sinal de que, depois
de transformar sua música ao se
retirar para dentro do estúdio, o
Radiohead pretende se engajar
novamente com o mundo externo com a concretude da linguagem, oferecendo mais do que suficientes potenciais associações.
As letras de "Hail to the Thief"
são um pouco menos enigmáticas
do que as de "Kid A" e "Amnesiac". "Myxomatosis", canção
que fala do estrelato a contragosto, é movida por um baixo distorcido, implacavelmente assimétrico, e uma batida que não pára de
redividir o quatro por quatro básico. O título é derivado de uma
doença que acomete coelhos e
que foi utilizada contra algumas
espécies como um tipo de guerra
biológica. "Where I End and You
Begin", que possui um quê de
"Gimme Shelter", dos Rolling
Stones, é um despacho enviado
do além, em tom irado: "Vou devorar você vivo / e não haverá
mais mentiras".
Com "Hail to the Thief", o Radiohead redescobriu o som visceral e insubstituível de músicos tocando juntos em tempo real. A
banda percorreu o mundo em
2000 e 2001, fazendo concertos
nos quais, sem dificuldade, retomou suas canções recentes das
máquinas. Em 2001, lançou um
EP gravado ao vivo, "I Might Be
Wrong". E, em muitas de suas novas canções, o Radiohead deixa o
som da banda em funcionamento
rasgar caminho em meio a estruturas tão corretamente montadas.
A canção de abertura do álbum,
"2+2=5", mapeia a nova trajetória do Radiohead ao incluir uma
introdução e quatro seções distintas em três minutos de som. Em
todo o álbum, a chegada da banda
completa, ao vivo (ou sua simulação), é ao mesmo tempo uma
emoção e uma dose de realismo: o
depoimento dado pelo Radiohead de que não é possível refugiar-se no isolamento.
À medida que vão entrando
mais guitarras e que a batida se
aprofunda, a banda parece saltar
do estúdio para a garagem, e Yorke uiva: "Somos acidentes esperando para acontecer". As coisas
podem andar mal no mundo externo, mas, quando se conta com
os colaboradores certos, alguns
acidentes de sorte valem o risco.
Tradução Clara Allain
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