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São Paulo, quarta-feira, 11 de junho de 2003

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MÚSICA

Banda aborda, no sexto disco de estúdio, temas como o enfrentamento do mundo real e o estrelato indesejado

Em "Hail", Radiohead recusa isolamento

JON PARELES
DO "NEW YORK TIMES"

Às vezes, o que é mais assustador vira realidade. É essa a certeza desconsoladora que percorre o sexto álbum do Radiohead gravado em estúdio, "Hail to the Thief".
Ao longo dos prósperos e tumultuados anos 1990, o Radiohead era do contra. A banda aplicava suas melodias exaltadas a canções de alienação e maus augúrios, com Thom Yorke cantando sobre vigilância e despersonalização, sobre enfrentar figuras estranhas e assustadoras ou ser uma delas, tudo isso na voz marcada e frágil de um menino de coral que foi vítima de abusos.
O Radiohead subvertia sua grandeza roqueira britânica própria com imagens áridas e contundentes e correntezas subjacentes de dissonância e ruído. E encontrou ouvintes dispostos não apenas a acompanhar suas canções, mas também a refletir sobre elas. Aliás, o que começou como um grupinho pequeno e fechado de ouvintes acabou virando um público de massa.
A banda desafiou sua própria popularidade ao se voltar para dentro com "Kid A" e "Amnesiac", os dois álbuns que produziu durante uma fase prolongada de experimentos feitos em estúdio durante 1999 e 2000. Mas as palavras de ordem de "Hail to the Thief" estão escondidas no meio de "I Will", balada que fala do esconder-se num bunker subterrâneo, quando Yorke canta "encontro o mundo real ao sair de minha casca".
"Hail to the Thief" chega em meio a uma enxurrada de palavras. A pintura da capa do álbum é repleta de palavras não inteiramente aleatórias e, em muitos casos, ameaçadoras, entre elas medo, perigo, segurança, TV, Deus, carne bovina, armado, pobre, internet, drogas e "donut".
A enxurrada de palavras em "Hail to the Thief", além das letras das canções, não é um exemplo de poesia de geladeira, de arte roqueira. É um sinal de que, depois de transformar sua música ao se retirar para dentro do estúdio, o Radiohead pretende se engajar novamente com o mundo externo com a concretude da linguagem, oferecendo mais do que suficientes potenciais associações.
As letras de "Hail to the Thief" são um pouco menos enigmáticas do que as de "Kid A" e "Amnesiac". "Myxomatosis", canção que fala do estrelato a contragosto, é movida por um baixo distorcido, implacavelmente assimétrico, e uma batida que não pára de redividir o quatro por quatro básico. O título é derivado de uma doença que acomete coelhos e que foi utilizada contra algumas espécies como um tipo de guerra biológica. "Where I End and You Begin", que possui um quê de "Gimme Shelter", dos Rolling Stones, é um despacho enviado do além, em tom irado: "Vou devorar você vivo / e não haverá mais mentiras".
Com "Hail to the Thief", o Radiohead redescobriu o som visceral e insubstituível de músicos tocando juntos em tempo real. A banda percorreu o mundo em 2000 e 2001, fazendo concertos nos quais, sem dificuldade, retomou suas canções recentes das máquinas. Em 2001, lançou um EP gravado ao vivo, "I Might Be Wrong". E, em muitas de suas novas canções, o Radiohead deixa o som da banda em funcionamento rasgar caminho em meio a estruturas tão corretamente montadas.
A canção de abertura do álbum, "2+2=5", mapeia a nova trajetória do Radiohead ao incluir uma introdução e quatro seções distintas em três minutos de som. Em todo o álbum, a chegada da banda completa, ao vivo (ou sua simulação), é ao mesmo tempo uma emoção e uma dose de realismo: o depoimento dado pelo Radiohead de que não é possível refugiar-se no isolamento.
À medida que vão entrando mais guitarras e que a batida se aprofunda, a banda parece saltar do estúdio para a garagem, e Yorke uiva: "Somos acidentes esperando para acontecer". As coisas podem andar mal no mundo externo, mas, quando se conta com os colaboradores certos, alguns acidentes de sorte valem o risco.


Tradução Clara Allain


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