São Paulo, quinta-feira, 11 de junho de 2009

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NINA HORTA

A comida que lança navios ao mar


Sem dúvida, Helena Rizzo é uma artista que se encaminhou para a cozinha


VOLTEI AO restaurante Maní. Fui com minha filha e uma amiga e uma responsabilidade danada. Sabe quando você fala maravilhas do lugar e depois dá tudo errado e ninguém gosta?
Pedi o menu-degustação, porque achei que a feijoadinha fazia parte e não posso perder aquela joia negra por nada. Não vou ficar falando dos pratos que comi. Além do mais, foram tantos que esqueci, mas posso repetir o que escutei das minhas companheiras.
"Chi, mas isso é outro patamar de comida... Esta Helena Rizzo é um gênio... Felicidade pura, não quero mais nada da vida. É o mesmo que encontrar Deus no frigobar. Que nível... Se for comparar com pintura, dá para ver na hora que é outra coisa.
Gênios da pintura. Pontilhista. Não tem nada a ver com miniatura, porque você come uma colher e lá está o todo, a essência. Ela pirou, esta saladinha de frutas não existe." O ambiente não pode ser melhor, as pessoas vão pela comida, não olham para os lados, conversam entre si, comentando o que estão comendo.
E o Maní pegou de vez, cheio, simpático, serviço extraordinário na gentileza da hostess, na naturalidade nada forçada dos garçons e garçonetes e sommelier, todos parecem vestir a camisa com prazer. Parece que compartilham com a chef, da comida, dos convidados, pois tudo sabem e tudo entendem.
Saí perdendo, porque a amiga que foi junto é uma grande cozinheira e havia me convidado para jantar. Cancelou o convite e disse que nunca mais na vida cozinharia qualquer coisa depois daquela experiência. Não fui olhar a cozinha, copiar uns truques. Mas bem que queria ver a Helena trabalhando com as mãos ou com pequenas tesouras e pinças.
Sem dúvida é uma artista que se encaminhou para a cozinha e usa o perfeccionismo que usaria nas telas, nos desenhos ou esculturas. Imagino o que deve sofrer, porque restaurantes são lugares pouco propícios para se manter acima do bem e do mal, criando coisas perecíveis. É confeccionar e sumir pela garganta profunda do cliente, sem adeuses. A obra fulgurante que se apaga num segundo. Haja!
Há um livrinho muito interessante sobre Leonardo Da Vinci, sua biografia. A pessoa escreve bem, tem ilustrações etc. É a coisa "fake" mais benfeita que já vi. Só comecei a desconfiar que era tudo mentira quando, procurando uma receita de marzipã, li que Da Vinci sempre chorava quando uma de suas esculturas de marzipã era comida. Fiquei de boca aberta. O quê? Comiam os Da Vinci? Não acredito. E daí fui prestar atenção no livro e era totalmente falso. Acho que a Helena Rizzo também deve ter um pouquinho de dó de se ver estraçalhada a todo momento.
Vão dizer que estou romanceando e inventando, porque não existe essa ambrosia dos deuses em restaurante nenhum. Pode ser. Eu pedi o menu-degustação, qualquer dia vou lá pedir os pratos normais e ver se fico versejando bobamente ou se simplesmente janto.
Quais as qualidades necessárias para fazer um bom cozinheiro? Paladar, sem dúvida. Dedicação. O resto, sei lá. Já se nasce cozinheiro, talvez o leite da mãe seja de outra qualidade, misturando ervas nunca vistas, pequenas amarguras ultrapassadas, um riso, uma faixa de mar, a escama de um peixe, a lágrima grossa, um tamborim, um "gaucho" louro sobre um cavalo branco. Sei que muitos leitores vão me escrever dizendo que isto não é jeito de falar sobre um restaurante, mas poupem-me. Procurem no site deles (www.restaurantemani.com.br). Não sou crítica de restaurantes, sou cronista, e cronista pode se inspirar na asa de um beija-flor, como não se inspiraria na comida de Helena Rizzo, a comida que poderia lançar ao mar uns mil navios?

ninahorta@uol.com.br


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