XICO SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL

É difícil ouvir o disco distanciado das mungangas que mais parecem a commedia dell'arte, "joãogrilices" tantas, arremedos, quixotismos à sombra de uma brasilidade no mais ibérico semi-árido, "tonhetices" para resgatar o barroco sequestrado no próprio terreiro -"tonhetices" de Tonheta, personagem-mor do folgazão-rabequeiro, dançador e cantor-brincante Antonio Nóbrega, autor do CD em questão.
O artista, obsessivo como cantiga de grilo por decifrar o que chama de "a alma coletiva do Brasil", traz mais uma vez a São Paulo, com seu "Lunário Perpétuo", a montanha ao turista aprendiz. O paulistano não carece mais, como um dia fez o bandeirante Mário de Andrade, sair pelos grotões nordestinos para se abismar diante do "exotic".
Os espetáculos de Nóbrega, que encontraram aqui o público mais fiel, formam um conjunto de pacotes completos que deixariam o apanhador de cocos e autor de "Paulicéia Desvairada" todo contente. Nem precisaria viajar.
Mas o CD sem o espetáculo, assim como o folclore ouvido em discos, amofina um bocado. Por mais eclético que seja o florilégio armorial, com parcerias de Ariano Suassuna, por mais variados que sejam os folguedos, os frevos das antigas e o choro "Pagão" de um Pixinguinha assim.
"Lunário Perpétuo", espécie de almanaque trazido da Espanha para os sertões, precisa da munganga de Antonio Nóbrega para ter mais fôlego. Não se segura pelo ganzá.
Neste vasto mundo das contradições, é interessante perceber como a dita cultura popular tem obtido mais ressonância e vida nova -aqui não se fala de sucesso- quando somada ao rap, jungle e drum'n'bass, para citar algumas danças da moda estrangeira, do que nas alianças puristas com a erudição ou virtuosismos.
A salsa de Cuba diluída pelo Orishas, a rabeca de mestre Salu com DJ Dolores, o coco-dub de Chico Science & Nação Zumbi... São exemplos da renascença de um certo internacional popular.

Lunário Perpétuo    Artista: Antonio Nóbrega Lançamento: Brincante Produções Quanto: R$ 20, em média