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GASTRONOMIA
Casas resistem aos problemas do centro de SP com a tradição dos cardápios
Sobreviventes
THIAGO NEY
DA REDAÇÃO
Há pouco mais de duas semanas, 121 anos de história gastronômica -e cultural, por que não?-
de São Paulo foram embora com
o fechamento do Carlino. Pouco a
pouco, a cidade, uma das capitais
mundiais da boa comida, vai perdendo identidade e referência.
Mas ainda há resistência.
Das famosas pizzas da Castelões
à ultratradição francesa do
Freddy, passando pelo paulistaníssimo filé do Moraes, os restaurantes antigos de São Paulo lutam
pela sobrevivência em meio a novidades, "fusion", "slow food" ou
qualquer outro nome culinário
que surge quase todo dia.
Alheio a esse tipo de novidade
está o Capuano, que, com a partida do Carlino, assume o posto de
restaurante mais antigo da cidade. Fundado em 1907, tem a cara
(e o gosto) das cantinas italianas
da Bela Vista, com ambiente familiar, boas massas caseiras e farta quantidade de molho. A um preço para lá de razoável.
O Capuano (do sobrenome do
primeiro proprietário, Francisco
Capuano) não é daqueles que escondem segredos em seus pratos,
mas é difícil encontrar por aí um
fusilli ao sugo com carneiro como
o dessa cantina. "Você precisa de
um bom molho, por isso deixamos ele na panela por três horas.
E deixamos o cordeiro cozinhar
por cerca de duas horas, com tomate, cebola e vinho", ensina o
gerente Donato Pinto Rapolli, 47,
genro do proprietário.
Fez gol, pizza de graça
A violência e a decadência do
centro da cidade, a concorrência
dos "por quilo", os altos impostos... não faltam justificativas para
o fechamento de portas de históricos pontos de São Paulo. Mas
quem continua no ramo não se
assusta (ainda) com isso.
"Penso em abrir filial, mas não
sair daqui", afirma Fábio Vinicius
Donato, 29, proprietário da cantina e pizzaria Castelões, com suas
mesas e cadeiras de madeira e o
original balcão de mármore, no
Brás desde a inauguração, em
1924. "O bairro é escuro, à noite
dá a impressão de estar abandonado. Quem não conhece fica
com receio. Mas nossas raízes estão no Brás, vamos lutar para
manter o restaurante aqui."
Têm os que ficam com receio,
mas a fama de suas pizzas -finas,
com borda grossa- faz gente peregrinar até o insólito (em termos
gastronômicos) bairro. Especialmente a que carrega o nome da
casa: de mozarela com calabresa
artesanal.
"É o diferencial da pizzaria.
Uma calabresa como a nossa ninguém faz. É mais cara, mas tem
qualidade", diz o proprietário.
Outra propaganda da Castelões
-mas que infelizmente já foi esquecida- era a de premiar artilheiros palmeirenses. Todo domingo que tinha partida, o restaurante dava uma pizza de graça para o jogador do Palmeiras que fizesse gol na rodada.
É também reduto de políticos e
artistas (foi lá que Fernando Henrique Cardoso foi comemorar sua
eleição para presidente da República em 1994).
Se alguém fizer uma lista com o
que há de mais paulistano em São
Paulo e não colocar o filé do Moraes ali, é porque o cara deve ter
nascido no Rio ou em Buenos Aires. (Cariocas e portenhos, isso é
uma brincadeira...)
Em atividade desde 1914, com
seu ambiente de botequim, o restaurante se orgulha de seu único
prato: o filé mignon alto, grosso,
de 430 g. O mais famoso -e pedido- acompanhamento é o que
leva alho e óleo e salada de agrião.
De origem francesa, mas nem
por isso menos paulistano, a "resistência" dos antigos conta com
o tradicional Freddy. Nesse bistrô
fundado em 35, a culinária parou
no tempo. Lá é lugar para quem
quer apreciar uma cozinha clássica, sem invenções. Ali, a "nouvelle
cuisine" ainda está para chegar.
"Aqui não tem cozinha contemporânea; é uma coisa sólida, tradicional, sem enfeites. É prática e
objetiva", afirma o proprietário,
Severino Pontes, um pernambucano de Casa Amarela, bairro recifense, "mas criado no mundo".
"Com a qualidade que oferecemos, não temos por que ter medo.
O povo quer qualidade."
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