São Paulo, domingo, 11 de julho de 2004

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BILHETERIA

Com críticas positivas e campanha de estréia milionária, filme sobre o jogador tem público abaixo da expectativa

"Pelé Eterno" marca contra no cinema

SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL

O filme "Pelé Eterno" terá de ganhar o jogo na prorrogação. Com fraco desempenho nos cinemas (134 mil espectadores em duas semanas de exibição em 150 salas), foi transferida para a venda de DVDs a expectativa de que o título alcance sucesso tão monumental como o de seu personagem, alcunhado "o atleta do século 20".
Os DVDs chegarão às locadoras em setembro, um mês antes do previsto, já que a carreira do filme nas telas será mais curta do que se pensava. O diretor do título, Aníbal Massaini, e sua distribuidora, a Universal, continuam apostando em "números grandes", certos de que um filme recheado de gols do rei Pelé é peça de colecionador.

Enigma
O que intriga a todos é por que esse charme não atraiu uma platéia maior até os cinemas. É o próprio Massaini quem descreve o enigma, ao enumerar as condições que faziam supor o êxito: "Se o público aplaude [o filme teve pré-estréias para convidados, recepcionados pelos governadores de São Paulo, Geraldo Alckmin, e do Rio, Rosinha Matheus], se a crítica consagra, se a campanha foi grande [R$ 1,5 milhão investido na divulgação da estréia], onde está essa coisa que faz o resultado não ser o que desejávamos?".
Uma explicação é oferecida pelo experiente produtor Diler Trindade. Antes que Trindade apresente seus argumentos sobre o deslize de "Pelé Eterno", porém, registre-se que até ele -responsável por sucessos reiterados, como os de Xuxa e Os Trapalhões, e lançador de modas como "Maria, Mãe do Filho de Deus", estrelado pelo ícone religioso padre Marcelo Rossi, visto por 2,4 milhões nos cinemas e líder nacional na vendagem de vídeo e DVD (280 mil cópias)- já viu o nariz do público torcido para iniciativas suas, como a de promover a apresentadora da telinha Angélica a estrela da telona, em "Um Show de Verão" (leia quadro nesta página).

Mulheres e futebol
"Filme sobre futebol não funciona no cinema. A culpa não é do Pelé, do diretor ou do filme", opina Trindade. É de quem, então? "Quem faz a bilheteria do cinema são as mulheres. Elas que arrastam os homens. E elas odeiam futebol", afirma.
Massaini corrobora a análise e diz que, associando a experiência do lançamento de "Pelé Eterno" com seu instinto marqueteiro, aconselhou o produtor Luiz Carlos Barreto a "vender" o inédito longa "O Casamento de Romeu e Julieta", baseado em livro de Mário Prata sobre uma paixão entre uma palmeirense e um corintiano, como "uma história de amor que nem o futebol pode separar".
Culpar as mulheres pelo insucesso de um filme sobre futebol "é uma análise convencional", na opinião de Paulo Sérgio Almeida, editor do boletim Filme B, especializado no mercado de cinema.
Almeida lembra que "o torcedor não é freqüentador de cinemas", diz que um filme sobre o Flamengo dificilmente "atrairia 5% dos flamenguistas para as salas" e coloca em dúvida a estratégia da campanha de lançamento de "Pelé Eterno" de mirar um público cativo do craque.
A opção de se dirigir a um espectador íntimo de Pelé se revela na frase que acompanhou o trailer: "Se você pensa que já viu tudo sobre Pelé, pense bem". "O resultado talvez tivesse sido melhor se o filme fosse vendido para o público adolescente", diz Almeida.
Massaini conta que sua decepção com o resultado de público de "Pelé Eterno" vai além da frustração de diretor. Ele acha que, se fosse sucesso popular, o filme contribuiria para tirar o gênero documentário do gueto de filme-para-poucos e a Globo Filmes do pedestal de fabricante imprescindível de sucessos nacionais.
"A gente fica achando que não existe um modelo alternativo à Globo Filmes, que documentário não tem um veio popular. Essa resposta [o eventual sucesso de "Pelé Eterno'] poderia ser animadora para tudo", diz o cineasta.
A Universal chegou a negociar com a Globo Filmes uma parceria no lançamento de "Pelé Eterno", mas não fechou acordo, porque julgou financeiramente desvantajoso o valor proposto pelos direitos de exibição do filme na TV.
Com o revés de "Pelé Eterno", a grande expectativa de sucesso popular do cinema brasileiro em 2004 recai sobre "Olga", previsto para estrear em 20 de agosto.
"Estou seguro", diz o distribuidor Bruno Wainer, da Lumière, responsável pela campanha de lançamento do longa. Wainer acha que estão sendo cumpridos todos os itens da receita que pode garantir o sucesso de um filme, ressalvando que, "uma vez no cinema, é com o filme, porque, se bastasse aplicar a receita, todos dariam certo".
No caso de "Olga" -adaptação do livro homônimo de Fernando Morais sobre a comunista Olga Benário, mulher do líder Luiz Carlos Prestes, assassinada num campo de concentração nazista-, a estréia foi adiada (de abril para agosto) "porque era preciso mais tempo para popularizar o personagem, já que Olga é muito conhecida numa certa classe social", afirma Wainer.

Chope
O distribuidor lançou os trailers do filme nos cinemas em maio. As peças foram desenhadas para destacar o poder emotivo da história de amor entre os dois militantes políticos e a sofisticação cinematográfica da produção. Vem dessa estratégia a confiança do distribuidor: ""Olga" vai entregar ao público exatamente o que promete. É o chamado chope que vai descer redondo".
Na brincadeira de Wainer está uma análise indireta do fracasso de filmes dos quais se esperava muito. "O excesso de divulgação às vezes pode atrapalhar", diz. Não errará quem imaginar que a divulgação atrapalha quando o filme não é considerado pelo público tão bom quanto se anuncia.
No caso de "Um Show de Verão", Trindade afirma que o filme foi prejudicado pela classificação do Ministério da Justiça, que o proibiu para menores de 14 anos. "O público que queria assistir a Angélica não pôde ir ao cinema."
Almeida assinala que projetos inteiros podem ser comprometidos por um erro de concepção. Seriam os casos de "Acquaria" e "A Taça do Mundo É Nossa", que afastaram os fãs -de Sandy e Junior e do Casseta & Planeta, respectivamente- ao situar os artistas em temas alheios ao perfil com que o público os identifica.
O fracasso nesses casos, como no de "Pelé Eterno", é medido de acordo com o investimento realizado e a expectativa de resultados. Lançado com o número recorde de 320 cópias, ""Acquaria" acabou sendo um fracasso de 800 mil espectadores", diz Almeida.


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