São Paulo, sexta-feira, 11 de julho de 2008

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Crítica/'Macao'

Disco tem precisa e bela coesão em vez de conceito

DA REPORTAGEM LOCAL

Jards Macalé diz não haver um conceito a embasar "Macao", mas há que se duvidar de sua afirmação, ou pelo menos relativizá-la. O CD tem um encadeamento sutil, preciso, espelho de sua economia sonora e reflexo da inteligência do artista. O par setentista "Farinha do Desprezo"/ "Boneca Semiótica" se casa na dor do amor jogado fora, mas a segunda, de versos tristes como "Você não passa da programadora/ Do repertório redundante/ Da minha dor", avança no tempo ao falar de "lógica digital e analógica", ideal para a mistura no arranjo (do grupo Laptop&Violão) de programação eletrônica e teclados com garfo e prato. Afinal, o samba também é tema da letra -e de grande parte da obra de Macalé, que já homenageou Ismael Silva, Moreira da Silva e muitos outros em disco-, abrindo alas para a inédita "O Engenho de Dentro", parceria com Abel Silva em assumido estilo Paulinho da Viola, junção de prazer e sofrer. O sofrimento desbragado vem em francês e com muita coragem. Macalé consegue fazer uma versão comovente de "Ne Me Quitte Pas", mesmo ela já tendo gravações tão consagradas como as de Nina Simone e Maysa. O clima noturno do arranjo piano-e-voz embala o pedido de não-abandono da letra de Jacques Brel.

Dialética
No balanço dialético das paixões, o maxixe "Se Você Quiser" (inédita com Xico Chaves), de alegria incontida ("Se você quiser alegro a cidade/ Se você quiser eu dou felicidade/ E esparramo prazer/ Só pelo prazer de ver você feliz") é sucedido pelo samba-canção lupiciniano "Um Favor" e seu desespero também incontido ("Saiba que alguém rasteja/ Pedindo pra ela voltar"). Uma dialoga bem com a outra. A fossa continua na bilíngüe e também setentista "The Archaic Lonely Star Blues", mas em tom de bossa, preparo para a bossa de Tom em "Corcovado", gravada por Macalé não como um standard qualquer, mas com o vigor de quem mora embaixo do Cristo Redentor -no Jardim Botânico, zona sul carioca- e ama o Rio. Como ele também ama São Paulo, dedica "Corcovado" ao paulista Johnny Alf, um dos inventores da bossa nova, e em seguida dá a sua versão para a clássica "Ronda", contraponto noturno e geográfico da faixa anterior. O registro da música de Paulo Vanzolini é, na verdade, de 2003, feito para um disco em homenagem ao compositor. Mas a inclusão não é postiça, pois o arranjo de Moacyr Luz se encaixa muito bem no conceito de "Macao": só violão (de Carlinhos 7 Cordas) e cello (de Luiz Fernando Zamith).

Leveza e dureza
Para fechar, os temas do fazer música e ser artista são cantados na leve "Balada", em duo com a parceira Ana de Hollanda (para quem não conhece, irmã de Chico Buarque), e na sombria "Só Assumo Só", "bronca franca" (diz a letra de Luiz Melodia) nas várias bandidagens cariocas, nacionais -e até internacionais. O CD termina como começou, reforçando a unidade: musicalmente leve, só com voz e violão, liricamente pesado. Se realmente não tem um conceito, "Macao" tem uma profunda coesão em sons e idéias. O resultado é uma obra sintética e acachapante, que prova como Macalé, tal qual os vinhos do clichê, se torna cada vez melhor com os anos.(LFV)

MACAO
Artista: Jards Macalé
Gravadora: Biscoito Fino
Quanto: R$ 30, em média
Avaliação: ótimo



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