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Crítica/'Macao'
Disco tem precisa e bela coesão em vez de conceito
DA REPORTAGEM LOCAL
Jards Macalé diz não haver um conceito a embasar "Macao", mas há que
se duvidar de sua afirmação, ou
pelo menos relativizá-la. O CD
tem um encadeamento sutil,
preciso, espelho de sua economia sonora e reflexo da inteligência do artista.
O par setentista "Farinha do
Desprezo"/ "Boneca Semiótica" se casa na dor do amor jogado fora, mas a segunda, de versos tristes como "Você não passa da programadora/ Do repertório redundante/ Da minha
dor", avança no tempo ao falar
de "lógica digital e analógica",
ideal para a mistura no arranjo
(do grupo Laptop&Violão) de
programação eletrônica e teclados com garfo e prato.
Afinal, o samba também é tema da letra -e de grande parte
da obra de Macalé, que já homenageou Ismael Silva, Moreira da Silva e muitos outros em
disco-, abrindo alas para a inédita "O Engenho de Dentro",
parceria com Abel Silva em assumido estilo Paulinho da Viola, junção de prazer e sofrer.
O sofrimento desbragado
vem em francês e com muita
coragem. Macalé consegue fazer uma versão comovente de
"Ne Me Quitte Pas", mesmo ela
já tendo gravações tão consagradas como as de Nina Simone
e Maysa. O clima noturno do
arranjo piano-e-voz embala o
pedido de não-abandono da letra de Jacques Brel.
Dialética
No balanço dialético das paixões, o maxixe "Se Você Quiser" (inédita com Xico Chaves),
de alegria incontida ("Se você
quiser alegro a cidade/ Se você
quiser eu dou felicidade/ E esparramo prazer/ Só pelo prazer
de ver você feliz") é sucedido
pelo samba-canção lupiciniano
"Um Favor" e seu desespero
também incontido ("Saiba que
alguém rasteja/ Pedindo pra
ela voltar"). Uma dialoga bem
com a outra.
A fossa continua na bilíngüe
e também setentista "The Archaic Lonely Star Blues", mas
em tom de bossa, preparo para
a bossa de Tom em "Corcovado", gravada por Macalé não
como um standard qualquer,
mas com o vigor de quem mora
embaixo do Cristo Redentor
-no Jardim Botânico, zona sul
carioca- e ama o Rio.
Como ele também ama São
Paulo, dedica "Corcovado" ao
paulista Johnny Alf, um dos inventores da bossa nova, e em
seguida dá a sua versão para a
clássica "Ronda", contraponto
noturno e geográfico da faixa
anterior.
O registro da música de Paulo Vanzolini é, na verdade, de
2003, feito para um disco em
homenagem ao compositor.
Mas a inclusão não é postiça,
pois o arranjo de Moacyr Luz se
encaixa muito bem no conceito
de "Macao": só violão (de Carlinhos 7 Cordas) e cello (de Luiz
Fernando Zamith).
Leveza e dureza
Para fechar, os temas do fazer música e ser artista são cantados na leve "Balada", em duo
com a parceira Ana de Hollanda (para quem não conhece, irmã de Chico Buarque), e na
sombria "Só Assumo Só",
"bronca franca" (diz a letra de
Luiz Melodia) nas várias bandidagens cariocas, nacionais -e
até internacionais. O CD termina como começou, reforçando
a unidade: musicalmente leve,
só com voz e violão, liricamente
pesado.
Se realmente não tem um
conceito, "Macao" tem uma
profunda coesão em sons e
idéias. O resultado é uma obra
sintética e acachapante, que
prova como Macalé, tal qual os
vinhos do clichê, se torna cada
vez melhor com os anos.(LFV)
MACAO
Artista: Jards Macalé
Gravadora: Biscoito Fino
Quanto: R$ 30, em média
Avaliação: ótimo
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