São Paulo, sexta-feira, 11 de julho de 2008

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"Teatro brasileiro atual é esboço", diz Tolentino

Diretor do grupo Tapa, que estréia "O Ensaio" hoje, afirma que falta "uma dramaturgia que fale do que se conhece'

Texto de Jean Anouilh, inédito em palcos brasileiros, trata de aristocratas que encenam peça sobre amor de conde por uma plebéia


LUCAS NEVES
DA REPORTAGEM LOCAL

Em "O Ensaio", de Jean Anouilh (1910-1987), nova peça do grupo Tapa, um grupo de aristocratas busca espantar a modorra da estada num castelo campestre, na década de 50.
Decide então encenar "A Dupla Inconstância", texto de Pierre de Marivaux (1688-1763) sobre a paixão de um nobre por uma plebéia às vésperas da Revolução Francesa. "É um texto pré-dilúvio montado num cenário pós-bomba atômica", descreve o diretor Eduardo Tolentino.
Para ele, a indefinição que caracteriza os momentos históricos em que "O Ensaio" e "A Dupla Inconstância" são ambientadas também serve de síntese, nos dias atuais, à dramaturgia brasileira. "Sinto que estamos num vácuo. Ainda não há uma dramaturgia brasileira contemporânea, mas um esboço." O diretor aponta a principal deficiência da escrita ficcional praticada hoje no país. "Há uma concentração em alguns temas, inclusive de gente que não vem desses lugares. Sinto a ausência de uma dramaturgia que fale do que se conhece, que saia do cangaço e do narcotráfico. Queria saber, por exemplo, como é [a vida] na zona leste [de São Paulo], no Morumbi.
Da ocupação da Amazônia à Lei Seca, há uma vastidão de coisas para se falar sobre o Brasil." Tolentino avalia ser necessário um investimento pesado na formação de profissionais: "É preciso realizar seminários, com textos [de participantes] corrigidos e reestudados. O teatro brasileiro tem uma coisa meio maluca: várias dramaturgias se desenvolvem e param. Foi assim com Arthur Azevedo (1855-1908), Nelson Rodrigues (1912-1980), Plínio Marcos (1935-1999) e Ariano Suassuna.
A sensação é que os processos são interrompidos, jogados fora, e começa-se algo inteiramente novo, sem gerar um diálogo que vá se transformando."

Embate
A afirmação vem de alguém com conhecimento de causa: nos últimos 29 anos, o Tapa de Tolentino levou à cena textos de Rodrigues, Marcos, Jorge Andrade (1922-1984), Oduvaldo Vianna Filho (1936-1974) e vários outros autores locais. Longe de ser pessimista, o diretor enfatiza que "tem gente começando a escrever coisas interessantes". "Há uma certa perversidade urbana que aparece de forma curiosa. Mas falta um grande embate conjunto, como houve nos anos 60, quando Plínio Marcos, José Vicente (1945-2007), Antonio Bivar e Leilah Assumpção formaram um grupo dramatúrgico paulistano que disse a que veio."

"Ensaio"
De volta ao "Ensaio", inédito no Brasil, Tolentino conta que a peça estava "no baú de possibilidades" havia 17 anos. "Foi um texto bem namorado. Mas quisemos montar de fato a partir de 2000." Aí veio a crise financeira que quase paralisou o grupo. "Quando começamos [em 79], vivíamos de bilheteria. Hoje, o patrocínio e a subvenção estatal sustentam as produções; passamos dois anos sem nenhum deles", diz Tolentino. Com a injeção de recursos públicos em 2007, o Tapa reengatou o namoro com o texto de Anouilh, em que o desejo de um conde por uma jovem de origem simples transborda os limites da "peça dentro da peça" -o que desperta o ódio da mulher do nobre. A investigação crítica das classes dominantes, tarefa a que o grupo se dedicou em montagens recentes, segue presente aqui, mas não é o foco. "O paralelo com a contemporaneidade se dá sobretudo no retrato da dissolução das relações afetivas, no esfacelamento do amor", aponta Tolentino.

O ENSAIO
Quando: estréia hoje; sex. e sáb, às 21h; dom., às 19h; até 28/9
Onde: teatro Imprensa (r. Jaceguai, 400, São Paulo, tel. 0/xx/11/ 3241-4203); classificação: 14 anos
Quanto: R$ 40 (sex. e dom.) e R$ 50 (sáb.)



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