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"Teatro brasileiro atual é esboço", diz Tolentino
Diretor do grupo Tapa, que estréia "O Ensaio" hoje, afirma que falta "uma dramaturgia que fale do que se conhece'
Texto de Jean Anouilh, inédito em palcos brasileiros, trata de aristocratas que encenam peça sobre amor de conde por uma plebéia
LUCAS NEVES
DA REPORTAGEM LOCAL
Em "O Ensaio", de Jean
Anouilh (1910-1987), nova peça
do grupo Tapa, um grupo de
aristocratas busca espantar a
modorra da estada num castelo
campestre, na década de 50.
Decide então encenar "A Dupla
Inconstância", texto de Pierre
de Marivaux (1688-1763) sobre
a paixão de um nobre por uma
plebéia às vésperas da Revolução Francesa. "É um texto pré-dilúvio montado num cenário
pós-bomba atômica", descreve
o diretor Eduardo Tolentino.
Para ele, a indefinição que caracteriza os momentos históricos em que "O Ensaio" e "A Dupla Inconstância" são ambientadas também serve de síntese,
nos dias atuais, à dramaturgia
brasileira. "Sinto que estamos
num vácuo. Ainda não há uma
dramaturgia brasileira contemporânea, mas um esboço."
O diretor aponta a principal
deficiência da escrita ficcional
praticada hoje no país. "Há
uma concentração em alguns
temas, inclusive de gente que
não vem desses lugares. Sinto a
ausência de uma dramaturgia
que fale do que se conhece, que
saia do cangaço e do narcotráfico. Queria saber, por exemplo,
como é [a vida] na zona leste
[de São Paulo], no Morumbi.
Da ocupação da Amazônia à Lei
Seca, há uma vastidão de coisas
para se falar sobre o Brasil."
Tolentino avalia ser necessário um investimento pesado na
formação de profissionais:
"É preciso realizar seminários, com textos [de participantes] corrigidos e reestudados. O
teatro brasileiro tem uma coisa
meio maluca: várias dramaturgias se desenvolvem e param.
Foi assim com Arthur Azevedo
(1855-1908), Nelson Rodrigues
(1912-1980), Plínio Marcos
(1935-1999) e Ariano Suassuna.
A sensação é que os processos
são interrompidos, jogados fora, e começa-se algo inteiramente novo, sem gerar um diálogo que vá se transformando."
Embate
A afirmação vem de alguém
com conhecimento de causa:
nos últimos 29 anos, o Tapa de
Tolentino levou à cena textos
de Rodrigues, Marcos, Jorge
Andrade (1922-1984), Oduvaldo Vianna Filho (1936-1974) e
vários outros autores locais.
Longe de ser pessimista, o diretor enfatiza que "tem gente
começando a escrever coisas
interessantes". "Há uma certa
perversidade urbana que aparece de forma curiosa. Mas falta
um grande embate conjunto,
como houve nos anos 60, quando Plínio Marcos, José Vicente
(1945-2007), Antonio Bivar e
Leilah Assumpção formaram
um grupo dramatúrgico paulistano que disse a que veio."
"Ensaio"
De volta ao "Ensaio", inédito
no Brasil, Tolentino conta que
a peça estava "no baú de possibilidades" havia 17 anos. "Foi
um texto bem namorado. Mas
quisemos montar de fato a partir de 2000." Aí veio a crise financeira que quase paralisou o
grupo. "Quando começamos
[em 79], vivíamos de bilheteria.
Hoje, o patrocínio e a subvenção estatal sustentam as produções; passamos dois anos sem
nenhum deles", diz Tolentino.
Com a injeção de recursos
públicos em 2007, o Tapa reengatou o namoro com o texto de
Anouilh, em que o desejo de um
conde por uma jovem de origem simples transborda os limites da "peça dentro da peça"
-o que desperta o ódio da mulher do nobre.
A investigação crítica das
classes dominantes, tarefa a
que o grupo se dedicou em
montagens recentes, segue
presente aqui, mas não é o foco.
"O paralelo com a contemporaneidade se dá sobretudo no retrato da dissolução das relações
afetivas, no esfacelamento do
amor", aponta Tolentino.
O ENSAIO
Quando: estréia hoje; sex. e sáb, às
21h; dom., às 19h; até 28/9
Onde: teatro Imprensa (r. Jaceguai,
400, São Paulo, tel. 0/xx/11/ 3241-4203); classificação: 14 anos
Quanto: R$ 40 (sex. e dom.) e R$ 50
(sáb.)
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