São Paulo, sábado, 11 de julho de 2009

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LIVROS

Crítica/"Pornopopéia"

Moraes "viaja" em romance com sexo, drogas e literatura

Autor de "Tanto Faz", célebre nos anos 80, explora submundo com humor

ALCIR PÉCORA
ESPECIAL PARA A FOLHA

O paulistano Reinaldo Moraes (1950), para não deixar de informar o óbvio, ficou conhecido com o romance "Tanto Faz", segundo número da coleção Cantadas Literárias, da Brasiliense, que fez sucesso no início dos anos 80, com sua proposta de descobrir e publicar "literatura jovem", com escrita "saborosa". O romance era especialmente oportuno, pois, em época da chamada "abertura política", afrouxava-se a polarização dos anos mais duros da ditadura militar. Autores que não se sentiam animados a produzir literatura engajada e denuncista surgiam com maior frequência, não sem sofrer críticas das chamadas "patrulhas ideológicas", que ainda rondavam o meio cultural intelectualizado. Acusações de alienação e escapismo para "Tanto Faz" não faltaram, nem brecaram sua carreira de sucesso, com três edições esgotadas rapidamente. Talvez tenham brecado o reconhecimento da carreira posterior de Moraes. Embora escrevesse outros romances e contos, roteiros de cinema, teatro, e até mesmo adaptações e novelas para a TV, ficou marcado como uma espécie de autor de "one hit wonder". A maldição ameaça reaparecer agora, quando Moraes lança o seu novo romance, "Pornopopéia". Não há entrevistador ou crítico que resista a trazer o "Tanto Faz" à cena. E faz sentido, pois o narrador do livro mais recente mostra a mesma disposição de restringir a cabeça, como a cidade, a sexo, drogas e literatura (cinema). "Pornopopéia" poderia repetir, como "Tanto Faz", que São Paulo era "um texto", no qual "[o] lírico, o sarro, o nonsense superavam o político". A informação de o narrador ter nascido no dia do golpe militar dá a impressão de querer forçar uma leitura simbólica pela qual, de fato, não se interessa. E, a despeito do presente da ação se passar pouco depois dos ataques em série do PCC e do apagão aéreo, não predomina na narrativa nenhuma questão política, nem mesmo enquanto política hedonista. Trata-se, antes, de desinteresse individual por qualquer coisa além de excitação químico-sexual e, desde que no mesmo diapasão do prazer como fundamento da vida, de excitação literária.

Virtudes
"Pornopopéia" [o livro não foi adaptado à nova ortografia a pedido do autor] possui duas virtudes decisivas para livro que adota persona de escritor junk para seu narrador: 1) domínio perfeito do idioma, o que lhe franqueia a consistência de "estilo" que o separa dos aspirantes fajutos a escritor, segundo o grão-guru desse tipo de literatura, Charles Bukowski; 2) veia cômica. "Pornopopéia", antes de tudo, é de matar de rir. A diversão, contudo, aqui, tem um contrapasso mais desfavorável que em "Tanto Faz". A opção por prazer-já não cria um gancho particular com a ocasião vivida pelo país ou com a contemporaneidade mais radical. Ao contrário, o romance parece sofrer de um simpático e romântico anacronismo. Em particular, o submundo ao qual o narrador se lança em busca de maconha, pó e LSD parece nitidamente arcaico face ao "better live through chemistry" da indústria farmacêutica. Os "pain killers", que se transformam em morfina no fígado, os "opiácidos" de toxicidade controlada dão outra dimensão à ideia contemporânea da fármaco-alegria. No fundo, a perfeição estilística de "Pornopopéia" celebra a sua própria mitologia literária. Não é o mundo do PCC que está em jogo, nem o mundo das drogas ou até do sexo, mas sim a velha mitologia gonzo-bukowiskiana, na qual o melhor autor é o que mais traça: pó, ninfetas e letras.

ALCIR PÉCORA é professor de teoria literária na Unicamp (Universidade Estadual de Campinas)


PORNOPOPÉIA
Autor: Reinaldo Moraes
Editora: Objetiva
Quanto: R$ 54,90 (480 págs.)
Avaliação: bom



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