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LIVRO - LANÇAMENTOS
Mirisola busca tirar literatura da apatia
Moacyr Lopes Júnior/Folha Imagem
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Marcelo Mirisola, autor de "Fátima Fez os Pés para Mostrar na Choperia", lançado pela Estação Liberdade
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MARCELO RUBENS PAIVA
especial para a Folha
Quando tudo
parece estar
perdido, e o emblema da pseudo-ajuda se fixa
no peito do
mercado editorial, surge um
novo escritor para tirar da apatia a
literatura brasileira de ficção.
Os créditos, desta vez, se devem
a Marcelo Mirisola, 30 e poucos
anos, autor de "Fátima Fez os Pés
para Mostrar na Choperia".
Mirisola é uma figura. Não quis
falar de sua profissão nem precisar
sua idade. Paulistano, mora atualmente em Florianópolis (SC). De
sua casa, sem telefone, vê duas
praias. "Mas isso não me inspira
nada, só atrapalha", diz.
Escreve há tempos. Confessou,
depois de eu insistir, que estudou
direito em Santa Catarina. Mas
não disse se exerce, ou não, a profissão.
Seu livro é de difícil definição.
São crônicas, mas são contos, e
são cartas e pode ser um só romance. Cartas para mulheres,
amadas, platônicas.
O mote é sempre o mesmo rapaz, com seu passado, seu mundinho. É cínico, um contraventor.
Nenhum clichê resiste nem uma
metáfora fácil.
Escreve: "Hoje é feriadão e chove pra cacetemente. A cidade está
vazia. Eu aqui, escondido. As avenidas de São Paulo Não São Literárias".
"Choramos, você na sala Aleijadinho, eu na Mário de Andrade,
na seção das dez. Como mar de filme -longe, branco-e-preto-e-apaixonados."
"Sinto falta do amor de mãe, do
seu amor. Na verdade eu acho a
nossa afinidade coisa de enrustidos. Que a minha crueldade é mais
uma bobagem."
"Eu não sou um menino ruim.
O meu sonho sempre foi construir
lar, família e bigode."
Seu mundinho é o de um paulistano classe média, que frequenta o
cine Belas Artes, que viaja por aí,
que assistiu aos filmes de sempre e
que se entedia com esse vaivém de
informações acotoveladas pelo dito caos contemporâneo.
"Paulo César Pereio era o tipo
que fazia a festa. Os anos 70 foram
uma merda."
Mirisola reinventa a literatura.
Parte do zero. Leia trechos de sua
entrevista, aliás, das mais conturbadas.
Em nossa primeira conversa, ele
ligou de orelhão, numa estrada,
chamada a cobrar; enquanto ele
viajava, ia parando e me ligando.
A BIOGRAFIA - "Você precisa,
mesmo, saber a minha idade? Diz
aí que tenho 30 e poucos anos.
Não tenho cacife biográfico. Não
sei como cheguei a escrever esse
livro. Lógico que sabia escrever.
Sou comum. Não tenho erudição,
nem sou um marginal. Sou um
gordinho. Não sou doido varrido.
Sou meio complicado. Essa é minha biografia."
O COMEÇO - "Era um aluno
medíocre. Repeti de ano no colégio Objetivo. Você conhece alguém que repetiu de ano nesse colégio? Fui desligado do Exército
por incapacidade física e mental.
Comecei a escrever em 1989. Não
uso computador. Escrevo com
uma máquina de escrever. Você
conhece alguém que ainda usa
máquina de escrever? Meu conto
mais antigo é o último do livro
("Posfácio para Walt Whitman
Desconhecido"). Mas mexi nele,
apurei-o."
O ESTILO - "Levo em consideração a velocidade das palavras. Tenho essa maneira de ajustar as palavras, numa medida correta da
velocidade delas. Como "Lolita",
de Nabukov, que é composto de
pura música."
A PROFISSÃO - "Não tenho
profissão. Minha mãe me sustenta. Cheguei a escrever para um
pasquim de Belém do Pará. Já fui
capitão de um barco turístico
aqui, em Santa Catarina. Fiz faculdade em Itajaí (SC). Não vale a pena dizer em que sou formado. Mudei-me em 1990 para Santa Catarina. Não fiz faculdade. Diverti-me
um bocado. Está bem, eu digo.
Formei-me em Direito. Mas minha vida mudou muito quando,
em 93, viajei pelo Nordeste. Fui até
Belém."
A REFERÊNCIA - "Guimarães
Rosa não é referência para mim,
não na mesma proporção que Dalton Trevisan. Só li um livro de
Guimarães. Os autores nacionais
me influenciam muito pouco.
Ressalto Reinaldo Moraes e Raduan Nassar. "Copo de Cólera'
(Nassar) é um dos melhores livros
que li. Mas referência, para mim, é
Henry Miller. Especialmente
"Crazy Cock'. Sinto Henry Miller
ao meu lado, quando escrevo. Não
tiveram coragem de traduzir o título. Seria o quê, "O Pau Enlouquecido'? Gosto muito de Cesare
Pavese ("O Diabo nas Colinas'),
de Bukovsky, Camus. Gosto de toda a geração beat."
A LEITURA - "Um livro cai na
vida da gente por acidente. Amigos indicam, ganha-se no aniversário. Frequento sebos. Mas só em
São Paulo. Não tem disso aqui, em
Santa Catarina. Adorei "O Ventre', do Cony. Nunca li James Joyce. Tentei ler "Dublinenses', mas
não consegui passar da segunda
página."
O GÊNERO - "É difícil definir o
que faço. Não é conto nem crônica. É quase uma fotografia meio
deslocada. Nem sei se falo de mim,
apesar de só saber escrever na primeira pessoa. Na escola, não
aprendi nada. Existe uma autobiografia no que escrevo. Sou eu, mas
não sou tudo. Não tem como esconder. Sou todo misturado. Na
primeira pessoa, não pode se esconder, se omitir. Dói mais. Precisa ir ao extremo de si mesmo. Dói
até o osso."
SEM HISTÓRIA - "Historinha
com personagem encheu o saco.
Ler é para cair na vida. Quando li
os beats, senti que eu não existia.
Eles lá, e eu na bundação em São
Paulo. Escrevo cartas, para várias
mulheres. É uma vingança contra
elas. Não é exorcismo. É sacanagem, mesmo. Não acredito que algo vai te exorcizar. Se já aconteceu, nunca vai exorcizar."
AS CARTAS - "Coitadas. Elas, as
que têm de receber minhas cartas.
Deixa pra lá. Não quero falar disso
(risos). Eu falo. Mando as cartas,
sim, para a mulherada que conheci pela vida. O prejuízo nunca foi
meu, mas de quem não as leu.
Mando cartas, como uma tentativa de cantada literária. Se dá certo?
Claro que não. Imagine receber
uma carta dessas?"
AS EDITORAS - "As editoras
sempre recusaram meu livro. Tive
cinco recusas da Companhia das
Letras. O problema era deles, não
meu. Não querem, azar deles. Escrevo e estou satisfeito. Diziam
que estavam com a agenda cheia,
ou que o livro não era da linha editorial deles. Em 93, mandei o livro
para o Marcelo Coelho, um crítico
criterioso, severo. Esperava que
ele acabasse comigo, para eu desistir da literatura. Estava me fazendo mal ser escritor e ficar me
justificando. Mas ele me respondeu, dizendo para continuar."
A PALAVRA - "Minha literatura
é de alguém que não sabe escrever
como os outros. Escrevo como sei
e arrumo um jeito do texto dar liga, samba. Invento coisas, como
alcachofra da terra, que não existe.
Invento vegetais. A palavra tem
uma largueza horizontal. Forço a
eloquência do texto. Não faço experimento com palavras, não tenho saco para inventar palavras,
prefiro ajeitá-las."
O MÍSTICO - "Já escrevi um romance e acabei destruindo-o. A
melhor coisa é destruir um romance. Sou muito místico, mas
não sou bobo. Destruí porque era
ruim. Não faço crônica nem conto. Faço literatura."
A MORADA - "Moro na praia do
Santinho, onde tem pouco morador e muito cachorro. Vejo duas
praias da minha casa. Isso não inspira nada. Não é porque moro no
lugar mais bonito do mundo que
sou inspirado."
Livro: Fátima Fez os Pés para Mostrar na
Choperia
Autor: Marcelo Mirisola
Lançamento: Estação Liberdade
Quanto: R$ 16 (142 págs.)
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