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"O CANDOMBLÉ DA BAHIA"
O livro do francês Roger Bastide, originalmente de 1958, é reeditado pela Cia. das Letras
O professor xangô baixa de novo por aqui
GILBERTO FELISBERTO VASCONCELLOS
ESPECIAL PARA A FOLHA
Talqualmente no auto
bumba-meu-boi, medra ressurreição no candomblé, de modo que o grande cientista estudioso do candomblé, Roger Bastide,
vai cada dia se libertando da sua
própria morte ocorrida em 1974
na França. A reedição deste livro,
originalmente publicado em 1958,
é a prova de que o professor xangô está vivo. Saravando por aí.
Sem querer tocar no fogaréu das
vaidades bonecais, eu diria que,
em termos de autognose do Brasil
e seu povo, Roger Bastide é, disparado, na sociologia e antropologia, a melhor cabeça que já lecionou na USP. Ele dá, em estilo e
pensamento, de mil a zero em Lévi-Strauss e em todos os outros.
Um intelectual francês do primeiro time influenciado pelo surrealismo, pela psicanálise e pelo
marxismo que veio para o Brasil
em 1938 durante o Estado Novo
getuliano e aqui transviveu a África numa "revolução psíquica"
única, como bem registrou Florestan Fernandes, tornando-se
aqui um filho de santo, tendo a
ousadia desbundada de mexer e
questionar, em função dos trópicos úmidos, o aparato conceitual
das ciências humanas.
O fato é que ele não ficou mentalmente confinado à tríade de
Durkheim, Weber e Marx. É por
isso que em seu belíssimo estudo
sobre o candomblé defende a tese
de que é aspecto místico que determina o social, e não o contrário.
O lúcido e malucão Roger Bastide viu no candomblé, miniatura
mística da África cravada no recôncavo da Bahia, a realidade material como reflexo da esfera mística. E mais: torna-se impossível a
apreensão do que aí seja sociológico sem a presença do religioso.
O inegável mérito de Bastide,
dialogando com o médico Nina
Rodrigues, o pai da psiquiatria
brasileira, foi despatologizar o
transe e a possessão como fenômenos histéricos. Mas o professor
xangô não generalizou o candomblé como realidade sociomística
para todo o Brasil, abriu as portas
para a abordagem estética e polissêmica do transe.
Os filósofos profissionais ficam
horrorizados com a formulação
bastidiana de que há filosofia no
candomblé. Talvez decorra da expressiva linguagem do candomblé e da sua comida, o motivo pelo
qual Roger Bastide conseguiu a
proeza, sendo francês vocacionado portanto ao colonialismo ou à
função de missionário, de descolonizar-se psiquicamente mais do
que seus coleguinhas brasileiros.
O mestre deixou mais discípulas mulheres do que discípulos
homens, como é o caso das ilustres professoras Maria Isaura Pereira de Queiróz e Gilda Mello e
Souza. Ele escreveu 17 livros sobre
o Brasil e deu importância decisiva à oralidade. A conversa aparece como fonte de inteligência popular. Para o negro brasileiro, a
palavra falada é técnica de expressão e pensamento.
Em sua travessia da descolonização psíquica, Roger Bastide se
empenhou em conceder ao transe
uma dimensão positiva, podendo
ser a vitamina dos fracos e dos espoliados, e não apenas o ópio da
patuléia assim como ele não demonizou Exu. Há um Exu bom tal
qual um diabo bom. Heráclito do
candomblé, Exu encarna o princípio da dialética que estabelece a
interconexão das coisas do céu e
da terrra. Nada se faz sem Exu.
Para o bem ou para o mal.
Sinceramente não entendi, nesta reedição de "O Candomblé da
Bahia", a razão de ser sociológica
do comentário do presidente
FHC. Apenas por ter sido aluno
de Roger Bastide? Ora, Roger Bastide não queria, ao contrário do
príncipe da moeda, que o Brasil
fosse um país bobão do FMI sem
autonomia nacional e sem originalidade cultural.
Gilberto Felisberto Vasconcellos é
professor de ciências sociais da Universidade Federal de Juiz de Fora (MG) e autor, entre outros, de "O Príncipe da Moeda" (ed. Espaço e Tempo)
O Candomblé da Bahia
Autor: Roger Bastide
Editora: Cia. das Letras
Quanto: R$ 37 (363 págs.)
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