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ILUSTRADA
Ministro reforça proposta de regulação e diz que "monopólios e oligopólios são naturalmente combatidos"
Gil defende diálogo sobre o audiovisual
PEDRO ALEXANDRE SANCHES
SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL
Sob bombardeio de críticas à divulgação de seu projeto de lei para
a criação de uma Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual, o
ministro da Cultura, Gilberto Gil,
anda medindo as palavras.
"Dominar é uma palavra excessiva", diz, buscando outra, para
expressar a extensão das habilidades do músico Marcus Suzano na
manipulação de ritmos eletrônicos e acústicos. Suzano é um de
seus parceiros na concepção do
novo show "Eletracústico", que
Gil apresenta de sexta a domingo,
em São Paulo, e deve virar o primeiro disco do ministro-artista.
A seguir, os "dois" -artista e
ministro- discorrem em enfáticas palavras sobre os vários campos de batalha em que hoje habitam.
Folha - Como acha tempo para
criar, ensaiar e fazer novo show?
Gilberto Gil - Os ensaios fiz em
março e abril, em finais de semana, no Rio. É algo simples, com
quatro músicos, bem reduzido
em relação a bandas bem maiores
com as quais venho trabalhando.
Tem uma dimensão sonora muito moderada, modesta. A proposta era trazer elementos da música
eletrônica, me ocorreu então chamar o trabalho de "Eletracústico",
pois acho legítimo que o setor popular possa se apropriar de nomenclaturas eruditas.
Folha - O público estranhará um
Gil mais eletrônico?
Gil - A dosagem é suportável para uma expectativa conservadora.
Não chega a cometer violências
contra o modo clássico de apresentação dos meus repertórios. A
concepção não dá impressão de
radicalidade pendente a um lado
diferente daquele em que estou.
Folha - O projeto de lei do ministro é "suportável para uma expectativa conservadora"? Nessa esfera, o sr. está sob bombardeio.
Gil - Mas não de toda a expectativa conservadora, só de parte dela.
Houve setores que disseram que a
proposta é inaceitável, toda ela.
Outros, não, disseram que há correções e ajustes a serem feitos, textos que precisam ser mais bem escritos para contemplar exatamente o princípio defendido. Acham
que há propostas que devam ser
retiradas, mas defendem o geral, a
regulação como algo necessário.
Folha - Um de seus pólos opositores é Cacá Diegues, cineasta brasileiro conhecido por representar na
tela a MPB e o negro.
Gil - Não sei. Ele não me disse isso. Ao contrário, disse: "Estou totalmente solidário com você". O
que ele publica no jornal "O Globo" é o que ele publica no jornal
"O Globo". Ele não me disse que é
um opositor nem acho que seja.
Folha - É um projeto radical?
Gil - Radical em que sentido? É
uma tentativa de interpretação
dos desejos e necessidades do
conjunto do audiovisual no Brasil, das relações entre o produto
estrangeiro e o produto brasileiro.
Trata-se de proteger o produto
brasileiro e de lhe dar condições
de equilíbrio e competitividade,
ou não. O documento busca regular um setor que demanda cada
vez mais regulação. Segue uma
tendência nacional e internacional da economia, de dizer que é
importante que os governos ofereçam à sociedade marcos regulatórios. Condenar a iniciativa de
regulação me parece um pouco
na contramão da história.
Folha - A necessidade citada no
projeto de combater monopólio e
oligopólios na comunicação lhe parece radical ao interferir no território das comunicações?
Gil - No capitalismo moderno,
tenho impressão de que oligopólios e monopólios são naturalmente combatidos. A livre competitividade e a equalização das
oportunidades para o mundo
produtivo são coisas desejáveis.
Folha - A Globo é um opositor?
Gil - A Globo quer ser monopolista e oligopolista? Se quer, isso é
com eles, não comigo. O MinC
não trabalha com esse pressuposto, não pode. Trabalha com um
pressuposto de que ninguém deve
ser monopolista e oligopolista.
Folha - O projeto é essencialmente petista, ao mexer em temas como monopólio, ou, como acusam
os opositores, ao ser intervencionista, autoritário, dirigista?
Gil - Não acho. Isso é PT? Onde
se combate mais monopólio e oligopólio do que nos EUA, com leis
antitruste e com vigilância constante? Onde se regula mais a atividade econômica do que nas grandes catedrais do capitalismo?
Folha - Seria, então, um choque
de capitalismo?
Gil É isso o que a gente quer. Se
não conseguimos expressar exatamente isso em algumas formulações, vamos então sentar juntos
e formular adequadamente nossa
concordância de princípios. Por
isso acho um pouquinho precipitado, açodado e desatento condenar integralmente a proposta.
Folha - O projeto é autoritário, dirigista, intervencionista? Por conseqüência, o ministro o é?
Gil -Isso não faz sentido. O tropicalismo não era isso, minha trajetória nunca foi isso. Que regulação queremos? Não menos que o
necessário, não mais que o suficiente. Quem tem que determinar
o necessário e o suficiente é a sociedade mais o governo. O papel
do governo é buscar a convergência com um marco regulatório
que dê conta de todas essas colocações de interesse.
Folha - Como se sente ao ser tachado de autoritário?
Gil - Não sinto nada. Absolutamente nada. Sinto que não sou,
que não estou sendo. Preciso fazer
convergir os interesses, criar regras que protejam a todos, que
dêem espaço a todos. O que tenho
pedido é que os queixosos explicitem suas queixas. Que digam o
que chamam de autoritário, senão, vira jargão político. Jargões
qualquer um pode usar, mas venham explicar, dizer por que é dirigista, stalinista. É isso que precisa ser feito agora, não só jogar
uma pecha no ar e dizer: se colar,
colou. Isso não é sério.
Folha - Para o sr., a reação da Globo ao projeto está nas regras do jogo? Ou é uma atitude autoritária?
Gil - Não sei. Acho que não responde a uma visão ampla, me parece não contemplar nem a própria inserção daquele grupo econômico na discussão do projeto.
Ela, de certa forma, bloqueia o
diálogo e o processo de discussão.
É como se a Globo tivesse dito:
"Essa proposta não discutimos".
Ao contrário, tem que discutir.
Nós fomos lá, tudo isso tem sido
posto na mesa o tempo todo. Assim como a Globo disse que há
aparências de intervencionismo,
-que não há-, poderíamos dizer que há uma intenção de sustar
o diálogo, uma rejeição absoluta
por parte da Globo (ri). Nosso
pressuposto é de que a Globo vai,
junto com todos nós, trabalhar
dentro das regras da convivência
democrática, do diálogo, do aperfeiçoamento das instituições.
Se equalizar tudo isso, provavelmente aqui ou ali interesses serão
minimamente contrariados. A indisposição para a mínima contrariedade é antidemocrática. Quando tenho de acordar cedo para
trabalhar, podendo, numa dimensão hedonista, ficar na cama
até 11h e contemplar a preguiça, é
a regulação que me contraria. Faço isso, todos fazemos uma regulação natural nas nossas vidas,
criando o espaço ético para o outro. É o espaço do outro que vem
ocupar parte do meu e vice-versa.
Folha - O ministro defende o software livre, o artista estréia show
patrocinado pela Microsoft. Isso é
contraditório?
Gil - Não vejo incompatibilidade
nenhuma (ri). Um está de um lado, o outro, do outro. A Microsoft
faz software proprietário, vai ser
vendido. O software livre é o software livre. Um está interessado
em vender. O outro, interessado
em dar. Não vejo problema. Acho
que podem conviver, acho que
devem. Quem quer dar de graça
não pode tirar liberdade de quem
quer vender. E quem quer vender
não pode tirar liberdade de quem
quer dar de graça.
Folha - Quem vende não está gostando do projeto de lei?
Gil - Ah, bom, aí é problema de
quem vende, ora (ri). Não é nosso.
Por que é que quem vende tem
que achar que quem não vende
não tem direito de não vender? O
que é que dá direito a quem vende
de achar que todo mundo tem
que vender? Não vejo. Isso é autoritarismo. É isso.
Folha - Caetano Veloso já disse
que Gilberto Gil é o Lula do Lula. O
sr. hoje está à esquerda de Lula?
Gil - Parece cada vez mais que ele
tem razão. O governo Lula, todo
ele, está à esquerda e à direita do
Lula, o tempo todo, ele inclusive.
Folha - A prisão recente de Mano
Brown, que estava com um amigo
que portava maconha, faz lembrar
episódio parecido com Gilberto Gil
em 1976. O que o artista e o que o
ministro pensam desse episódio?
Gil - Ainda é anacronismo, né?
Ainda estamos lidando com essa
questão, já podia não ser assim.
Foi em nome de um poder conferido pela lei, mas ainda anacrônico. Essas coisas já podiam estar no
campo da regulação automática,
feita pelos cidadãos, pelas regras
naturais da sociedade, e não mais
pela rígida cristalização da criminalização. Ainda não é assim, vamos esperar que seja no futuro.
Nós trabalhamos para isso.
Folha - Responderam o ministro e
o artista como um só?
Gil - Os dois (ri).
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